Um antídoto contra a solidão - David Foster Wallace
Conhecendo melhor David Foster Wallace, escritor genial para muitos críticos e leitores, mas também um ser complexo e atormentado
David Foster Wallace - Um antídoto contra a solidão, Belo Horizonte, editora Âyiné, 2021, 317 páginas
Apesar do título não é autoajuda, muito pelo contrário. Trata-se de uma coletânea de entrevistas, ou conversas de DFW (1962-2008), algumas longas, outras curtas, uma delas hedionda, organizada por Stephen J. Burn, professor de literatura americana contemporânea. O antídoto do título é, claro, a boa literatura: ela pode ser sempre sua melhor companhia.
DFW é conhecido aqui sobretudo por Graça Infinita (Companhia das Letras, 2014) e um volume de contos, Breves Entrevistas com Homens Hediondos (idem, 2005). Mas seu primeiro sucesso literário se deu em 1987 com The Broom of the System e depois, em 1988, com um livro de contos Girl With Curious Hair, nenhum dos dois traduzidos no Brasil até o momento. Em 1987 tinha 25 anos apenas, alguns críticos então passaram a chamá-lo de geniozinho das letras.
Pensavam, depois de outros livros publicados, que ele era o mais talentoso escritor de sua geração, também o mais atormentado deles, o que aparecia em sua complexa literatura, claro, que é sobretudo antiminimalista: livros volumosos, frases enormes, parágrafos idem, infindáveis notas de rodapé etc.
Numa das entrevistas DFW reconhece: “Pra mim, cinquenta por cento do que faço é ruim, e é simplesmente assim que vai ser, e se eu não conseguir aceitar isso então estou no ramo errado. O negócio é saber o que é bom, e não deixar os outros verem.” Pois é...
A complexidade de sua escrita se assemelha um tanto à de Thomas Pynchon, seu contemporâneo, à qual um entrevistador chamou de “playground metaficcional” referindo-se sobretudo ao seu livro mais famoso, O Arco-Iris da Gravidade (Companhia das Letras, 1998) e outros sucessos literários, mas com quem DFW nunca teve relações profundas e a quem só viu uma vez na vida.
Outro escritor de seu tempo, jovem como ele então nos anos 1990, é Jonathan Franzen, mas que era seu amigo de fato, citado diversas vezes no volume, que também publicou calhamaços como As Correções (Companhia das Letras, 2005) e Liberdade (idem, 2011), mas cuja leitura não é complicada nem difícil como quando nos encontramos lendo DFW.
DFW rejeitava a crítica de que seu trabalho seria desnecessariamente complicado para impressionar críticos e leitores: seu objetivo, dizia, era fazer o leitor pensar, participar de um jogo, uma relação com o autor, até mesmo se divertir. Em suma, não queria escrever literatura simplesmente comercial. Além de escrever também foi professor universitário de escrita criativa.
Desde cedo leu bastante porque em sua casa sempre houve bons livros: os pais eram professores universitários, ele de filosofia e a mulher de retórica. DFW lembra: “Era uma família intelectual. Eu lembro dos meus pais lendo Ulysses juntos, em voz alta, antes de dormir. Meu pai leu Moby Dick para mim e para a minha irmã mais nova quando a gente estava com oito e seis anos de idade.” Depois, na faculdade - estudou inglês e filosofia – por influência de um professor conheceu e passou a admirar Don DeLillo e Manuel Puig.
Mais tarde passou a apreciar também Tobias Wolff, Cormac McCarthy, Cynthia Ozick , George Saunders, Raymond Carver, Anton Tchekhov, Flannery O’Connor, Denis Johnson etc. Admirava seu amigo Franzen, mas não apreciava Hunter S. Thompson nem Tom Wolfe, dizendo que Swift, Montaigne, Lamb, Orwell, Baldwin e outros lhe diziam mais coisas que Thompson e Wolfe.
No final do volume temos o melhor de todos os textos, que não é uma entrevista, mas uma espécie de elogio fúnebre, algo assim, intitulado ‘Os anos perdidos e os últimos dias de David Foster Wallace’, um artigo de David Lipsky publicado na edição de 30 de outubro de 2008 da revista Rolling Stone (DFW se matou em 12 de setembro). É nele que se conhece melhor o escritor e se entende muita coisa de sua literatura, de sua vida, seu envolvimento com drogas e as circunstâncias de seu suicídio. Uma grave perda para a literatura contemporânea, goste-se ou não do que DFW escreveu.