Do Éden ao divã: humor judaico - Moacyr Scliar e outros
Esta é uma ótima coletânea de humor judaico, um dos melhores do mundo, sem dúvida
Moacyr Scliar e outros (org.) - Do Éden ao divã, SP, Companhia das Letras, 2017, 248 páginas
Publicado há mais de 30 anos, Do Éden ao Divã (1990), mas relançado em 2017 pela Companhia das Letras, o volume organizado pelo escritor Moacyr Scliar (1937-2011) e outros colaboradores traz histórias, ilustrações, anedotas e casos envolvendo seus compatriotas, além de pequenas biografias de alguns autores relevantes. O humor está intrinsecamente ligado à cultura judaica: os judeus sabem, como poucos povos, praticar a autoderrisão, ou seja, rir de si próprios e de suas desgraças, então temos no volume muitas anedotas desse tipo. Quanto a isso, o historiador francês Georges Minois (não citado no volume) em História do Riso e do Escárnio (Unesp, 2003), diz que “Rindo das próprias tragédias, o povo judeu as inverte [...], afirma-se negando-se.”
Como fez ao seu modo o cineasta Woody Allen, um dos humoristas judeus mais destacados em Do Éden ao Divã, quando perguntou: “Senhor, tu nos escolheste entre todos os povos. Por que foi preciso que desabasses justamente em cima dos judeus?” Curiosamente, esta citação não se encontra no volume de Scliar, mas no de Minois. De todo modo somos brindados pelo autor gaúcho e seus colaboradores com uma miniantologia de frases célebres e engraçadas do diretor de Manhattan e outros sucessos do cinema, assim como de outros personagens ligados à indústria cinematográfica americana, como Groucho Marx, Mel Brooks, Zero Mostel e Samuel Goldwyn (dos famosos estúdios MGM).
Uma espécie de gozação, que vai além da cultura do próprio “povo escolhido”, temos já no início do livro, na dedicatória escrita pelos organizadores: “Este livro é dedicado aos profetas e alfaiates, rabinos e psicanalistas, mães judias e escritores, a todos aqueles, judeus ou não, que sorrindo filosoficamente diante da vida fazem humor judaico mesmo sem o saber”. E poderíamos incluir aí, porque o humor judaico é generoso, até mesmo os antissemitas, que são muitos, principalmente nos dias de hoje e que poderiam continuar fazendo humor, não a guerra, mas isso é por minha conta.
Bem, Do Éden ao Divã é dividido em várias seções, e claro, começa com o começo, que tem a ver com as bases mais profundas da cultura judaica que são as tradições e a religião. Assim é que vamos encontrar aqui histórias da Torá (a Lei, Antigo Testamento, a Bíblia), do Talmud (coletânea de livros sagrados dos judeus, um registro das discussões rabínicas que pertencem à lei e ética judaicas, e costumes e história do judaísmo), histórias baseadas nos textos filosóficos dos períodos medieval e moderno, culminando com aquelas criadas e ou contadas pelos comediantes americanos do século XX, vários deles bastante conhecidos como os já citados e passando ainda por Lenny Bruce, Jerry Lewis, Bette Midler etc. Além de diversas outras celebridades do entretenimento ou não, incluindo aí gente do porte de Billy Wilder, Philip Roth, Neil Simon, Barbra Streisand, Gene Wilder.
Agora uma anedota antiga, baseada nos textos sagrados. Um cético pergunta a um rabino o que Eva fazia quando Adão voltava muito tarde ao Paraíso. Resposta do rabino: “Ela contava suas costelas.” Depois de explorar o humor contido na Bíblia e no Talmud, Scliar e seus colaboradores prosseguem elencando regiões do globo ou países onde o humor judaico teve acentuado desenvolvimento. Começam então com a Europa Oriental, passando depois pelos Estados Unidos, América Latina, pelo humor sefardi (Espanha), a Europa Ocidental, a antiga União Soviética e terminam em Israel. No meio de inúmeros textos humorísticos, a maioria anedotas mesmo, várias ilustrações tanto de humoristas judeus quanto de góis, ou seja, não judeus. No final, um glossário com todos os termos próprios da cultura, sem o que não se poderia achar graça no contexto em que aparecem.
Rabinos, mães judias, psicanalistas, o novo-rico e o comerciante são alguns dos personagens mais encontrados nos textos de humor judaico. Destaco agora algumas das frases ou anedotas ou pensamentos que mais apreciei nesta coletânea que recomendo a todos, judeus ou não:
O milagroso rabi parecia dormir. Ao seu redor, estavam seus discípulos, reverentes, conversando em voz baixa sobre suas incomparáveis virtudes de homem santo:
— Que piedade! Não há outro igual em toda a Polônia.
— Quem pode comparar-se a ele na caridade?
— E que serenidade de caráter! Alguém já o viu irritado?
— Ah, e como é sábio!
E aí se calaram. O rabi então abriu um olho:
— E da minha modéstia, ninguém vai falar?
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Três senhoras judias estão à beira da praia, em Miami, falando sobre seus filhos.
— O meu filho — diz a primeira — todos os anos me traz aqui para Miami, me hospeda no melhor hotel, paga todas as contas e ainda manda me buscar de avião!
— Grande coisa — diz a segunda —, o meu filho me comprou um apartamento de cobertura e me leva todos os anos para passear na Europa.
— Pois o meu filho — diz a terceira — vai quatro vezes por semana ao psicanalista. Paga cem dólares por sessão e sabem de quem ele fala? De mim!
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O que fazem os seus filhos? — pergunta um judeu a outro.
— O primeiro, graças a Deus, é médico. O segundo, graças a Deus, é advogado. O terceiro é administrador.
— E você?
— Eu? Tenho uma lojinha. É pequena, modesta, mas dá, graças a Deus, para sustentar os três.
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Conta-se que Sigmund Freud estava uma noite em sua casa quando, de repente, alguém bateu violentamente à porta.
Era uma judia da vizinhança, completamente apavorada:
— Doutor — gritou ela —, venha ligeiro! Meu marido está se queixando de muita dor na perna! Acho que é o reumatismo atacando!
— Perdão — disse Freud —, mas acho que não posso ajudá-la, minha senhora. Não entendo de reumatismo, sou especialista em psicanálise.
— Psicanálise? — disse a mulher. — E que doença é esta, psicanálise?
*****
Um judeu entrou na central telefônica e, como não sabia falar ao telefone, perguntou à funcionária como deveria proceder.
— É simples. Com uma das mãos o senhor segura este tubo, encosta ao ouvido, com a outra o senhor disca…
E o judeu, perplexo:
— Mas com que mão vou falar?
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Alguns curtos agora, provérbios, pensamentos e reflexões:
“O pessimismo é um luxo a que nenhum judeu pode se dar.” (Golda Meir, ex-primeira ministra de Israel)
“Se não fosse a polícia, os ladrões enriqueceriam: mas, se não fosse a polícia, teriam muitos concorrentes.” (provérbio polonês)
“Se Deus, como dizem, morreu, foi sem dúvida tentando encontrar uma solução justa para o conflito árabe-israelense.” (I. F. Stone, jornalista)
“Vote em quem promete menos: o desapontamento será menor.”(Bernard Baruch, investidor e conselheiro político democrata)
“Neuróticos constroem castelos no ar, os psicóticos vivem neles e os psiquiatras cobram o aluguel.” (Jerome Lawrence Schwartz, dramaturgo americano)