Um acontecimento na vida do pintor-viajante - César Aira

MUITO BOM: um autor argentino escreve uma ficção histórica sobre um acontecimento determinante na vida de um paisagista alemão

César Aira - Um acontecimento na vida do pintor-viajante, RJ, Nova Fronteira, 2006, 128 páginas

O pintor-viajante do título é o alemão Rugendas, Johan Moritz Rugendas (1802-1858) que os brasileiros com certa escolaridade sabem que publicou uma das obras mais importantes de nossa historiografia: Viagem Pitoresca Através do Brasil, cujas belíssimas reproduções podem ser encontradas na internet. Fui procurá-las depois de ler o livro de César Aira. Vale a pena fazer isso para compreender porque Rugendas ficou tão famoso por sua arte na reprodução de paisagens e tipos humanos.

Era um pintor-viajante pois registrou paisagens espetaculares além das brasileiras também no Chile, Argentina e México, países nos quais se demorava bastante tempo, porque era um perfeccionista e também porque viajar pela América Latina no seu tempo não era algo fácil, claro. Terminou sendo um dos melhores pintores europeus do século XIX a se aventurar pelo nosso continente. Assim como ocorreu com o francês Jean-Baptiste Debret (1768-1848) e bem antes com o neerlandês Frans Post (1612-1680).

O livro de Aira, ainda que contenha várias informações sobre Rugendas e seu ofício de paisagista, não é uma biografia do artista, mas uma ficção histórica passada sobretudo no Chile e Argentina, embora o Brasil seja mencionado aqui e ali. É especialmente sobre um grave acidente, ou um infausto acontecimento (embora o título original fale em episódio apenas) ocorrido em terras argentinas quando Rugendas buscava encontrar na arte o que se poderia chamar de “totalidade fisionômica” da paisagem. Coisa que ia além da visão científica do todo de que falava Alexander Von Humboldt (1769-1859), seu amigo e admirador. E aquela totalidade seria encontrável na vastidão das imensas planícies argentinas.

Mais especialmente em Mendoza, uma das vinte e três províncias que atualmente formam a Argentina, privilegiadamente situada aos pés da Cordilheira dos Andes. Uma breve e dramática visita a Mendoza dá a Rugendas a oportunidade de realizar seu sonho. Primeiro Aira nos fala de como o pintor teria visto o lugarejo então: que era “uma bonita cidade, pequena e arborizada, com as montanhas ao alcance da mão e uns céus azuis tão imutáveis que até aborreciam. Eram dias de grandes calores [...] A folhagem enchia o ar de oxigênio para se respirar — quando se podia — e era extremamente restaurador.” Mas era nos pampas, na paisagem aberta, que Rugendas desejava estar.

Foi lá que encontrou o que buscava, mas por aquilo pagou um preço monstruoso: é o tal acontecimento mencionado no título, pintado com cores e traços extremamente dramáticos por Aira, a partir do que realmente ocorreu com Rugendas, desafiando-o a mudar seu desenho, forçando-o a criar uma nova forma de pintar suas paisagens. Um acontecimento que mudou sua vida para sempre. Descubra o que foi que aconteceu ali lendo o livro de Aira. Depois pesquise na internet as magníficas paisagens e retratos humanos que Rugendas deixou para a posteridade. Vale muito a pena.