Intérprete de males - Jhumpa Lahiri

MUITO BOM: curiosas histórias passadas na Índia e nos EUA envolvendo personagens hindus bastante arraigados em sua cultura, notadamente os imigrantes diretamente envolvidos com americanos

Jhumpa Lahiri - Intérprete de males, SP, Biblioteca Azul, 2014

De ascendência indiana, Nilanjana Sudeshna Lahiri, ou simplesmente Jhumpa Lahiri, nascida na Inglaterra em 1967, depois naturalizada americana, atualmente vive na Itália há alguns anos já. De lá escreveu o prefácio para Laços, de Domenico Starnone, aqui lançado em 2017, que ela chamou de um escritor brilhante; ele poderia dizer o mesmo dela. E ele disse isso também, com outras palavras, no seu prefácio italiano para o livro dela: “Intérprete de Males é a prova de que um livro merece uma alegre festa de comemoração não somente por ser testemunha de um momento significativo da condição humana, mas por fazê-lo com sensibilidade, inteligência e arte refinada.” Starnone tem razão: esses elogios todos cabem como luva na escrita de Lahiri.

As várias mudanças geográficas na vida da autora não causaram nela o mesmo efeito que causaram em alguns de seus personagens, hindus que se mudaram para os EUA; mesmo após anos vivendo no país, ainda se sentem um tanto estrangeiros ali. Em Intérprete de Males (original é de 1999) acompanhamos com bastante interesse e certa curiosidade personagens de cultura indiana vivendo em seu próprio país ou no exterior, nessas histórias que premiaram a autora com o Pulitzer de 2000.

São nove no total e a primeira é Uma Questão Temporária, que juntamente com a terceira, que dá título ao livro, me pareceram as melhores. A falta de eletricidade em casa, durante cerca de cinco dias, uma hora por noite, no princípio parecia aproximar ainda mais um jovem casal indiano nos EUA. Só parecia porque no final... Intérprete de Males, e o título é explicado pelo guia hindu que conduz uma família também hindu, mas residente nos EUA, por pontos turísticos exóticos da Índia, poderia terminar de outra forma, como uma história de intensa atração sexual, se macacos não tivessem atacado o filho da protagonista. Tem quem viu nesse conto uma quase paródia do livro de E. M. Forster, Passagem Para a Índia (Bia Abramo, na FSP em 02.06.2001).

Dois dos demais contos tratam de personagens indianas vivendo na Índia, caso da quarta história, Um Durwan de Verdade – história de uma quase moradora de rua, que teria vivido faustosamente no passado, mas que agora presta serviços variados, como se fosse uma zeladora (durwan) informal de um prédio meio decadente da cidade, não tem salário e ainda é acusada de ladra um dia – e da oitava história, O Tratamento de Bibi Haldar, uma mulher de 29 anos, solteira, que trabalha para um primo, também sem salário, e que sofre ataques epiléticos. Todos os vizinhos e conhecidos acham que ela deveria se casar, ter um homem, que curaria seus males, esse seria seu tratamento ideal. Um dia a descobrem grávida...

Os contos de números cinco e sete, respectivamente Sexy e Esta Casa Abençoada, tratam de relacionamento interracial, de americanas de nível educacional superior com homens hindus, também de nível escolar superior. A primeira, na condição de amante que por ele, casado e com filhos, é chamada de sexy, por suas longas e belas pernas; a segunda como esposa de um técnico especializado que não tolera que a esposa trate como tesouros, objetos e estátuas de origem cristã, especialmente uma grande, da Virgem Maria no jardim, que os antigos moradores da casa que ora habitam deixaram na residência. Não era uma casa engraçada, mas uma casa abençoada...

A temática da imigração passa por histórias tão diferentes como Quando o Senhor Pirzada Vinha Jantar, segundo conto, A Senhora Sen, sexto conto, O Terceiro e Último Continente, nono conto. A história do Sr. Pirzada é contada por uma jovem narradora, da família onde ele jantou durante alguns meses nos EUA, e envolve conflitos religiosos e políticos passados entre Índia, Paquistão e Bangladesh, que eram acompanhados pelo noticiário televisivo durante a refeição noturna da família e seu convidado. A história da senhora Sen é contada por um garoto americano de onze anos que era cuidado pela imigrante hindu, mulher de um professor universitário, também imigrante; ela adorava peixe e detestava dirigir, motivo de algumas desavenças do casal. O menino ficava aos seus cuidados enquanto a mãe trabalhava fora; ele conviveu com o casal até que um acidente pôs fim ao trabalho da senhora Sen.

Encerra o volume o já citado O Terceiro e Último Continente, a história de um jovem profissional hindu com passagem pela Europa e agora contratado para trabalhar no MIT, Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge (daí seu “terceiro continente”) que, sem muito dinheiro no início, resolve alugar um quarto para morar numa grande e antiga casa, após ver um anúncio que só aceitava como inquilinos gente de Harvard ou do MIT. Tão curioso quanto o jovem hindu é a proprietária do imóvel, uma velha senhora de hábitos bastante estranhos para nós. E com essa curiosa narrativa, fechamos o livro de Jhumpa Lahiri esperando por mais histórias curtas, tão interessantes e bem escritas como as de Intérprete de Males.