Uma gozação bem-sucedida - Italo Svevo
Uma novela do mesmo autor da obra-prima A Consciência de Zeno sobre a glória literária e seus percalços
Italo Svevo - Uma gozação bem-sucedida, SP, Carambaia, 2017
Já que é uma novela, pareceu-me que Uma Gozação Bem-Sucedida (original é de 1926, mas foi publicado apenas em 1929) está muito mais para o Italo Svevo (1861-1928) de Argo e Seu Dono (Berlendis & Vertechia, 2008), livro de contos e uma novela, do que propriamente para sua trilogia informal triestina, mais introspectiva, ainda que bastante ligada à realidade social.
Os três ótimos livros que a formam, Uma Vida (Nova Alexandria, 1993), Senilidade (Nova Fronteira, 1982) e a obra-prima A Consciência de Zeno (são várias edições brasileiras, um livro lido e relido) trazem, além de seus singulares personagens, também a cidade de Trieste (norte da Itália, onde o autor nasceu) como destaque.
Apesar de italiana, Trieste pertenceu ao então império austro-húngaro (1867-1918), que a tornou um tanto diferente de outras cidades italianas do mesmo porte. É na mesma cidade natal de Svevo que vivem os dois irmãos protagonistas de Uma Gozação Bem-Sucedida, Mario e Giulio Samigli. A tal gozação vai recair sobre Mario, que Svevo assim nos apresenta:
“Mario Samigli era um literato de quase 60 anos. Um romance que ele havia publicado quarenta anos antes poderia ser considerado morto se neste mundo também soubessem morrer as coisas que jamais estiveram realmente vivas. Mesmo pálido e um pouco fraco, Mario continuou vivendo por muitos anos uma vida vagarosa, tal como lhe era consentida por um empreguinho que não o cansava tanto e lhe oferecia uma renda muito baixa.”
Nessa vida um tanto insípida que levava ao lado do irmão Giulio, Mario sonhava hiperbolicamente com a glória literária e daí acaba caindo vítima de uma brincadeira ou gozação. Levada a cabo por Gaia, um caixeiro-viajante, um amigo da onça, digamos assim, e um editor de Viena que estaria interessado em adquirir, por elevado preço, o direito de tradução em todo o mundo daquele livro escrito por Mario na juventude.
Enquanto o negócio não se resolve completamente, Mario passa o tempo escrevendo fábulas em que os personagens são passarinhos. Veja esta, que é uma das mais interessantes do livro:
“Um passarinho cegado pelo apetite se deixou capturar. Foi colocado numa gaiolinha onde suas asas não podiam nem mesmo estender-se. Sofreu terrivelmente, até que um dia sua gaiola foi deixada aberta, e ele pôde reaver sua liberdade. Mas não gozou dela por muito tempo. Tornado muito desconfiado pela experiência, onde via comida, suspeitava da emboscada e fugia. Por isso, em pouco tempo morreu de fome”.
São várias historinhas de passarinhos, e a alma sonhadora de Mario parece habitada por um deles. Mas não será sempre assim, porque quando ele se descobre “engambelado”, vítima da gozação que poderia fazer a cidade toda rir dele, Mario se torna um gavião, uma águia. E aí cabe bem esse belo pensamento de Svevo: “As vitórias do espírito, não há dúvida, são muito importantes, mas uma vitória dos músculos é muito mais saudável. O coração adquire nova confiança no vaso em que pulsa e assim se regula e se reforça.” Mario é outro agora.
Depois vem o final e o posfácio do professor Davi Pessoa, Um Fracasso Bem-Sucedido, que não é apenas sobre a novela que acabamos de ler, igualmente sobre a vida de Italo Svevo, que também passou por situações que seus personagens depois iriam viver em seus livros. Pessoa chama algumas dessas passagens de “inferno literário” de Svevo. Do qual também fez parte James Joyce. Mas isso é uma outra história...