O mensageiro - L. P. Hartley
Romance inglês muito bom: houve uma vez um verão em 1900 que começou bem mas terminou mal, abruptamente
L. P. Hartley - O mensageiro, SP, Nova Alexandria, 2003
L. P. Hartley (Leslie Poles Hartley; 1895-1972) ficou mais conhecido entre os leitores depois que o filme baseado em seu livro (publicado em 1953) foi vencedor do festival de Cannes em 1971, além de ganhar vários outros prêmios. Tanto o filme quanto o livro começam como uma frase que está entre os mais citados inícios de romances de todos os tempos: “O passado é um país estrangeiro: lá as coisas são feitas de maneira diferente.” Primeiro vi o filme, que é ótimo, depois quis ler o livro, mesmo sabendo de toda a história e que, próximo do final, ela encerra uma tragédia.
O passado, revisto a partir de um diário de infância guardado durante várias décadas e redescoberto numa caixa esquecida, diz respeito ao ano de 1900, especificamente um verão decorrido em Brandham, mansão rural no condado de Norfolk. Nessa data o narrador e personagem-título, Leo Colston, que completaria treze anos então, estava passando algumas semanas das férias de verão em companhia de Marcus Maudsley, um rico colega de escola. Marcus, sua família e outros convidados se divertiam nesses dias de calor no campo, raros no país europeu.
A edição inglesa da obra é bem cuidada e traz várias informações sobre o romance, omitidas na edição brasileira. O próprio Hartley escreveu uma Introdução onde fica claro que a história aqui contada tem coisas a ver com sua própria infância naquele ano longínquo. Além disso, há uma outra Introdução escrita pelo conhecido escritor Colm Toibin (de Brooklyn e outros sucessos), refletindo sobre a importância da obra na literatura inglesa, o livro em geral, e a perda da inocência de seu personagem central.
Bem, instalado na propriedade rural, Leo se apaixona (como qualquer menino de sua idade) por Marian, a bela irmã de Marcus, com vinte e poucos anos, que o mima e constantemente lhe dá presentes. Marcus adoece, fica de cama, então Leo e Marian estão sempre próximos agora; não há outras crianças na mansão. Um dia ela lhe pede um favor, que depois se repetirá outras vezes, para que ele entregue uma mensagem a um vizinho fazendeiro, Ted Burgess: diz que se trata de negócios entre eles. Leo gosta de prestar serviços a Marian e eles se tornam confidentes (apenas até certo ponto), até que o garoto descobre que não há negócios entre aqueles dois, mas outra coisa, mais séria. Isso o decepciona profundamente e vai mudar seu comportamento...
Mais de cinquenta anos depois daquele verão, um Leo idoso, ao reencontrar seu diário esquecido, tenta compreender todos os fatos que se desenrolaram depois daquela triste descoberta, então grande parte do romance se desenvolve num plano psicológico, em que entram outros personagens marcantes que, de um modo ou de outro, acabam afetando a vida do pequeno mensageiro para sempre. Além de Marian, Ted e Marcus, são figuras expressivas da trama a exigente matriarca, sra. Maudsley (mãe de Marian, Marcus e outros dois rapazes), e lorde Trimingham, ex-combatente de guerra, escolhido pela matriarca para marido de Marian.
Leo ama (a seu modo, de garoto) Marian, que ama Ted, que a ama, mas lorde Trimingham, é claro, não ama Ted, ama Marian, embora tenha pelo fazendeiro algum respeito: essas coisas todas se misturam na cabeça do menino e ele acredita que algo pode dar errado nessa história. Ainda mais que ele é ligado em coisas do zodíaco e acredita ter algum poder mágico, nem sempre voltado para o bem. Senão, como teria sido possível o incidente que machucou dois colegas de escola que o incomodavam tempos atrás? E agora, de alguma maneira Leo continua se sentindo responsável pelo triste desfecho daquele verão de 1900? Leia o livro ou veja o filme, ou faça ambas as coisas...