VENENO, da Colectânea de Escritos Poéticos "MEMÓRIAS COM SABOR A LUANDA" - Resenha literária
1. FICHA TÉCNICA
Título: Memórias com sabor a Luanda
Autores: Vários
Edição: DF Editora
Ano: 2021
N° de páginas: 46
Género: Lírico
Subgénero: Poesia
Formato: Impresso
1.2. DADOS CATALOGRÁFICOS
MemóriaS COM SABOR A LUANDA, assim intitula-se a obra, uma colectânea de escritos poéticos inspirados na cidade capital de Angola, reunindo vários autores, dentre eles Alusapo, Al Ndjali e Luís da Silva Ubuntu, um universo de mais de 10 poemas, lançada pela DF Editora, em 2021.
Não podemos avançar com a abordagem sem antes algumas notas sobre a sua estrutura, agradou-me bastante a capa, a visão geral da Baía de Luanda como fundo da capa, o que foi posta até nalgumas páginas da obra, uma combinação perfeita, sem falar da diagramação, trabalhado como tinha de ser.
2. ANÁLISE E RESENHA
2.1. Conceitos preliminares - Começando a nossa conversa
A obra em si, remete-nos ao amor pela nossa cidade, apesar de suas mazelas, ainda possui a sua essência, esta que é crucial preservarmos, o amor à terra é o verdadeiro corpo poético da obra. Em análise apresento o poema “Veneno”, escrito pela escritora Alusapo, onde a autora demonstra a sua grande paixão por Luanda, a cidade onde deu os grandes passos na vida, escrito num eu lírico masculino.
2.2. Desenvolvimento - Continuando a nossa conversa
Prioritariamente, vale ressaltar que, o modo lírico é um tipo de texto de carácter subjectivo centrado na primeira pessoa, embora esta pode variar entre o tu e o nós, a emancipação de um sujeito/eu lírico que exterioriza o seu mundo interior, o que nalguns casos é confundido com a própria pessoa do autor, quando na verdade são entidades diferentes, convém-me citar Yves Stallone, fazendo a referência à concepção do eu lírico "… o lirismo é a emanação de um eu – que o romantismo gostava de confundir com a pessoa do poeta, mas que pode se apagar por detrás de uma de suas personagens." (STALLONE, YVES. Os géneros literários. Rio de Janeiro: Difel, 2001, p. 151). Sendo duas entidades (autor – real e eu lírico – personagem/criação), o sujeito lírico pode apresentar-se em diversas formas, sempre dependendo do autor, como é o caso do texto em análise, escrita por uma mulher, porém, sentimentos exteriorizados por um homem.
A autora brinda-nos com uma escrita terna e nostálgica, personificando e romantizando [e quase erotizando] a cidade como uma parte de si, da alma, e o título como parece, faz jus ao texto, na literatura, em especial nos géneros narrativo e lírico, o termo veneno ganhou uma semântica que muitas das vezes é combinada ao híbrido (existem muitas obras que fazem sucesso na literatura erótica forjadas a partir deste termo), algo que embora pareça danoso, é uma mistura intensa de prazer e adrenalina, cheio de vida, centro-me nestes dizeres ao ler alguns versos da autora, por tais razões classifico o poema como um dos mais intensos da colectânea, pela vida que carrega.
I. Organização do poema
O poema é composto por 28 versos, repartidos em 6 estrofes, a saber: 1ª Estrofe – Quarteto, 2ª Estrofe – Septilha, 3ª Estrofe – Quintilha, 4ª Estrofe – Quarteto, 5ª Estrofe – Quintilha e 6ª Estrofe – Terceto. Os quartetos e as quintilhas predominam.
II. Natureza do poema
a) Género
Tal como a definição dos géneros literários, o género lírico também ganhou diferentes definições, logo, temos os poemas do tipo narrativo, lírico e dramático, possuindo características diferentes. A colectânea no seu todo, é constituído por poemas do género lírico, “Veneno” não ficou de fora.
b) Forma
Talvez seja a hora de falar do soneto, da balada, do rondó, das oitavas, sextinas, os haicais, a trova ou outro poema de forma fixa, mas não, o poema não obedece qualquer regra fixa, é um poema livre, unindo versos e estrofes de diversos formatos, rimadas, musicadas e harmonizadas como a Alusapo sabe fazer, tal efeito concede um grande ênfase na essência da poesia.
Além disto, na sua composição, destacam-se várias figuras de linguagens: assonância, aliteração e a própria rima, ao nível fónico; anáfora, ao nível sintático; metáfora, hipérbole e sinestesia, ao nível semântico.
c) Métrica
O poema possui versos heterométricos, possuindo medidas diferentes, desta feita, verificamos a segunda estrofe do poema, a septilha que abre com um trissílabo (verso de 3 sílabas poéticas), avançando com um hexassílabo (verso de 6 sílabas poéticas), a seguir um eneassílabo (verso de 9 sílabas poéticas) e fechando com um heptassílabo (verso de 7 sílabas poéticas).
d) Rima
Diferentes modalidades rimáticas corroboram no texto, vale ressaltar de que a rima não centra-se propriamente na semelhança de letras no interior ou no final do verso, mas sim, a de sons. As rimas aqui postas, sonorizam-se de forma natural, sem forçar a harmonia ou a musicalidade do texto, voltando na segunda estrofe, encontramos as seguintes variedades:
- Quanto à posição: rima externa;
- Quanto à fonética: rima perfeita;
- Quanto à acentuação: rima grave;
- Quanto ao valor: rima rica.
2.3. Considerações finais - Terminando a nossa conversa
As palavras falam por si, “Veneno” é um poema simples e inspirador, fácil de ler e interpretar, reflecte o amor, a paz, o prazer, a harmonia, a união, a fraternidade, o companheirismo, um sentimento que somente os comprometidos verdadeiramente podem sentir, a adaptação com as nossas cidades não fogem deste sentido. Ademais, a escrita é aquela dita mwangolé, por honra cito «És uma coca sem cola / És mazé a minha cerveja n'gola / És o meu mapa de Angola // Minha red cola / Meu colchão sem mola / Minha recruta do tola» ou ainda «Minha Yola sem medo/ Minha calça sem terno». Que amor em doces memórias da nossa escritora Alusapo!
O texto em referência não é o único poema marcante da obra, mas preferi analisá-lo pelo impacto que a mim causou, voltarei com outros textos. “Memórias com sabor a Luanda” é um livro que vale a pena ler, sentir e saborear Luanda nas entrelinhas dos versos de cada poema, o leitor consegue sentir as emoções que brotaram do solo fértil da inspiração de cada autor, a gratificante motivação por trás de cada palavra, e, quem sabe, revolucionar o modo de pensar, cuidá-la como tem de ser.
Até aqui, resta-me dizer: recomendo, recomendo a obra.