Origem - Thomas Bernhard

Um autor diferenciado e seus brilhantes relatos autobiográficos

Thomas Bernhard - Origem, SP, Companhia das Letras, 2006

Um trecho da sinopse da Companhia das Letras contém toda a essência de Origem, esse brilhante livro de Thomas Bernhard (1931-1989). Que na verdade são cinco em um: Uma criança (1982), A causa (1975), O porão (1976), A respiração (1978), O frio (1981). Ele diz: “Em cinco relatos autobiográficos, reunidos aqui em um único volume, Thomas Bernhard – um dos maiores escritores do século XX – parte em busca do acerto possível com infância e adolescência vividas em meio ao abandono, à guerra e à doença.”

Ao juntar os cinco volumes num só e privilegiar a cronologia dos relatos e não sua ordem de publicação, a edição brasileira torna a leitura em sequência certamente bem mais interessante do que a das edições originais. Mas seus parágrafos enormes, que quase sempre se iniciam na primeira página e terminam apenas na última, podem assustar um pouco o leitor.

Em Origem temos relatos autobiográficos e não uma autobiografia tradicional pois eles compreendem praticamente apenas a infância e a juventude de Bernhard. Que, ao contrário de grande parte das pessoas – que pensam nesses períodos como os mais felizes de suas vidas –, passou por dificuldades extremas, incluindo a Segunda Guerra Mundial e uma doença que quase o matou – a tuberculose.

Bernhard estudou pouco (até o ginásio) e nunca foi um grande leitor até ficar doente. Ainda um adolescente já trabalhava como vendedor numa mercearia de um bairro pobre de Salzburgo para ajudar na manutenção da casa. Não conheceu o pai e seu grande incentivador foi o avô materno, um anarquista. Suas relações com a mãe sempre foram atribuladas até perto da morte dela.

Enquanto se restabelecia num sanatório para doentes dos pulmões, quase próximo de sua cura, descobriu o livro que mudou sua vida para sempre – Os Demônios, de Dostoievski. Eis o impacto que o livro lhe causou:

“Anestesiei-me, dissolvi-me por algum tempo nos 'Demônios'. Quando voltei, não quis ler mais nada por algum tempo, porque tinha certeza de que mergulharia em enorme decepção, em um terrível abismo. Recusei-me durante semanas a qualquer leitura. A enormidade dos 'Demônios' me fortalecera, mostrara um caminho, me dissera que eu estava no caminho certo: para fora. Tinha sido afetado por uma literatura selvagem e grande, e dela emergi eu próprio como herói”.

Praticamente aí começa a carreira do escritor Bernhard, que até então apenas havia escrito alguns poemas domésticos. Algumas páginas mais e Origem termina. E você fica com a certeza de que leu não apenas um livro grande (são 501 páginas) mas um grande livro de um grande autor. Um dos melhores que li até agora e que mereceria uma resenha grandiosa, à altura da leitura. Mas para quê?, se você pode ler o livro, que é o que realmente importa aqui.