Paris na década de 1920: A emancipada

 

PARIS NA DÉCADA DE 1920: A EMANCIPADA

Miguel Carqueija

 

Resenha do romance de costumes “A emancipada”, de Victor Margueritte. Editora Flores & Mano, Rio de Janeiro, sem data. Título original francês: “La garçonne”. Acompanha uma carta de Anatole France.

 

Sem indicação de tradução, este estranho romance, pelos textos introdutórios inclusive do autor, pretende defender certos valores, não ser obra de baixo quilate moral. Ele mesmo observa sobre a personagem Monica Lerbier, e sobre o seu envolvimento com coisas torpes: “Respondo que vale mais, já que o mal existe, revelá-lo do que ocultá-lo”. E explica porque a fez rica: “Porque sua fortuna, como sua educação, é uma das condições de sua queda”. O autor, portanto, defende não ser pornógrafo e reconhece que aborda um mundo torpe na alta sociedade parisiense. Mas, não terá errado a mão?

Eu acho que sim, inclusive porque coloca, como amante de Monica por algum tempo, um sujeito apresentado como um “dançarino nu” (sic). Esse detalhe era absolutamente dispensável e eu não consigo acreditar que na França de 1920 fossem admitidas apresentações públicas de “dançarinos nus”; provavelmente haveria prisão por atentado ao pudor.

A história em resumo é essa: Monica é uma jovem de família abastada e está prestes a casar com um sujeito rico. O pai e a mãe de Monica estão entusiasmados, mas por trás disso existem interesses financeiros. Então Monica descobre que seu noivo a está traindo. E ela, até então uma moça pura, de tanta revolta se entrega a um desconhecido qualquer e depois briga com o pai, com a mãe e com o noivo e vi viver sozinha. Consegue um meio de se tornar empresária e tem vários amantes, inclusive um escritor possessivo que tenta matá-la. Por fim descobre o homem ideal, que a respeita. E sempre lembrando a falecida Tia Sylvestre, mulher virtuosa a quem Monica realmente amava, encontra o verdadeiro amor em Georges, chegando mesmo a aceitar casar-se com ele.

Uma redenção no fim, ainda que sem as luzes da religião? Talvez, mas passando por alguns detalhamentos desnecessários.

Faltou mais talento literário no autor — o talento de um Dostoiévski — para produzir uma obra de real qualidade.

“Post-scriptum” – Esta resenha já estava composta quando, comentando sobre o romance com um amigo, bem conhecedor do assunto, este me contou que, na França de cem anos atrás, existia sim um tipo de dança em nudez, no teatro chamado de “bas-fond”, de modo que o personagem mencionado não é mera fantasia do autor.

O “bas-fond” era um tipo de teatro restrito, onde se viam coisas que em outros locais seriam proibidas.

 

Rio de Janeiro, 4 de abril de 2024.