O livro dos insultos - H. L. Mencken

Antes de insultar alguém leia Mencken: insulte, sempre com conhecimento, (alguma) classe e inteligência

H. L. Mencken - O livro dos insultos, SP, Companhia das Letras, 2009

Ruy Castro, que selecionou e traduziu os textos diz, no prefácio, que é difícil dizer exatamente o que o H. L. Mencken (1880-1956) foi. Escrevendo, ele foi de tudo um pouco, mas acima de tudo foi um iconoclasta, ou seja, uma pessoa para quem nada é digno de culto ou reverência. Assim, ele escreve - sempre criticamente - sobre homens, mulheres, religião, moral, morte, economia, psicologia, governo, democracia, literatura, música etc.

Basta ver o enorme índice do livro para se ter uma ideia da prolixidade de sua escrita. Na maior parte do tempo ele é engraçado. Algumas vezes é filosófico, irônico, preconceituoso ou alonga-se demais num assunto. Também não dá para concordar com tudo o que ele pensava (e o mundo mudou muito de sua época para nossos dias). Mas de todo modo, Mencken é sempre um pensador talentoso, irreverente e criativo – isso não se pode negar.

Mencken atira seus insultos contra tudo e contra todos, nada ou ninguém escapa. Mas em alguns tópicos dispara sua metralhadora mais intensamente ainda contra as instituições sociais e políticas. Como demonstram seus escritos sobre governo (algumas vezes parece até que está escrevendo sobre o nosso):

"Todo governo é composto de vagabundos que, por um acidente jurídico, adquiriram o duvidoso direito de embolsar uma parte dos ganhos de seus semelhantes." Ou ainda: "O governo [pode ser] visto não como um comitê de cidadãos escolhidos para tocar os negócios comuns a toda a população, mas como uma corporação separada e autônoma, devotada em primeiro lugar a explorar a população em proveito de seus próprios membros." Poxa, como isso é verdadeiro no caso brasileiro!

Depois disso ainda vem um tópico que se chama "Trabalhar Para o Governo". Já era bom naqueles anos de 1920-1930 nos EUA. De lá para cá e aqui, pelo que se lê em nossos jornais, deve ser mesmo uma delícia. Há funcionários do nosso (sic) Senado ganhando igual a um juiz da Suprema Corte americana. E há alguns juízes brasileiros cujos salários estão muito acima dos vencimentos dos próprios ministros do Supremo Tribunal Federal.

Se os textos iniciais e os mais longos não parecem tão empolgantes assim, no entanto, antes da metade do livro, as coisas voltam a melhorar e parecem ficar melhores quanto mais caminhamos para o final. Ali vão estar frases que tornaram Mencken, não apenas um jornalista bastante conhecido, mas um autor citado no mundo todo, porque deixou registradas verdadeiras pérolas para nosso deleite. Como as seguintes, destacadas por Paulo Francis, sendo estas duas, penso, as mais preciosas:

“Todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive.”

“A democracia é a arte e a ciência de administrar o circo a partir da jaula dos macacos.”

Depois vêm estas, também ótimas:

“A fé pode ser definida em resumo como uma crença ilógica na ocorrência do improvável.”

“Se Roosevelt [26º. Presidente dos EUA] achar que converter-se ao canibalismo pode lhe render votos, mandará engordar um missionário no quintal da Casa Branca.”

“Todo artista de alguma dignidade é contra seu próprio país. Pense em Dante, Tolstoi, Shakespeare, Rabelais, Swift e Mark Twain.”

Tem tudo isso e muito, muito mais. Tivemos algum Mencken por aqui? Com a mesma capacidade de insultar talvez não, mas o talentoso Millôr Fernandes (1923-2012) me veio à mente diversas vezes durante a releitura (sim, já havia lido o volume tempos atrás). Além de escritor ele desenhava muito bem; precisamos lembrar dele e reverenciá-lo sempre, como muitos americanos fazem com H. L. Mencken.