Resenha sobre o Livro "1942 - O Brasil e sua guerra quase desconhecida"

O livro escrito por João Barone traz em detalhes a participação brasileira, através da atuação dos pracinhas, na 2° guerra mundial. O texto retrata os feitos obtidos pelos pracinhas nas missões executadas contra as tropas do eixo (Alemanha, Itália e Japão), particularmente em território italiano.

O livro detalha a sequência de participações dos pracinhas, abrangendo o período pré-guerra (convocação e preparação da tropa brasileira), guerra (teatro de operações) e pós-guerra (retorno da tropa ao solo brasileiro). E, acima de tudo é ressaltado a importância dos pracinhas, juntamente com os soldados das tropas aliadas (Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética, entre outros), para a vitória contra os fascistas e nazistas.

Ao todo foram enviados a guerra 25.834 homens e mulheres brasileiros. Desse efetivo 468 combatentes padeceram no campo de batalha, no entanto, se for computado as mortes em naufrágios dos navios brasileiros, em território nacional, atacados pelo Eixo, esse número sobe para aproximadamente 1.500 mortes.

O autor, no decorrer do livro, procura corrigir uma grande injustiça que é cometida com os pracinhas, especialmente no Brasil, em desvalorizar a participação dos brasileiros na guerra e não reconhecer e dignificar esses heroicos guerreiros como heróis da pátria, dando o devido valor aos compatriotas que deram o sangue pela liberdade do mundo, e muitos com o sacrifício da própria vida.

De forma geral, o livro é repleto de informações e curiosidades sobre a participação e o período de atuação dos brasileiros na guerra. Nesse sentido, iremos descrever, abaixo, alguns trechos do livro que destacam todos esses sentimentos expressados pelo autor.

1) A narrativa anterior poderia bem representar o relato do que meu pai viveu na guerra, o pracinha João de Lavor Reis e Silva. Só que ele nunca contou essa história;

2) Os soldados usavam dois sacos: o A e o B, para guardar seus pertences. Os utensílios de uso mais imediato, como bornal, cantil, cobertor, etc. ficavam no saco A. No B, que era deixado na retaguarda, ficavam os itens que não eram de necessidade permanente. Depois de algum tempo, os soldados convocados mas não atuantes na frente de batalha passaram a ser chamados, jocosamente, de saco B;

3) "A cobra está fumando" explicava que soldados estavam em ação. "Tocha" era uma escapulida sem autorização. "Lurdinha", o apelido da mortífera metralhadora nazista;

4) O homem que seria meu pai veio a conhecer a natureza da guerra logo que chegou a Nápoles. Dali em diante, jamais se esqueceu de duas coisas: da pobreza e do cheiro de gente morta;

5) No entanto, 95% da população do Brasil ignora que nosso país tenha participado da segunda guerra mundial;

6) A primeira vítima entre os brasileiros:

O primeiro navio brasileiro a ser atacado pelos alemães foi o Taubaté, um cargueiro a vapor que se encontrava na costa do Egito, em 22 de março de 1941, quando o Brasil ainda mantinha relações comerciais com o Eixo. O ataque injustificado foi feito por um avião nazista que metralhou o navio, mesmo com a bandeira do Brasil hasteada e pintada no casco., o que causou a morte do tripulante José Francisco Fraga, primeira vítima brasileira na Segunda Guerra. O Taubaté - que não foi afundado - era um dos muito navios que o Brasil confiscou da frota mercante alemã nos portos brasileiros, durante a Primeira Guerra;

7) O Barbarigo, submarino italiano, atacou o Comandante Lyra, na costa de Natal, em 18 de maio de 1942. O torpedo que atingiu matou dois tripulantes, mas não o afundou, devido ao seu casco duplo. Um heroico envio de SOS permitiu que aviões da Força Aérea Brasileira chegassem ao local, afugentando o Barbarigo, o que representou a primeira ação de guerra da FAB. Um fato pouquíssimo conhecido é que o comandante do Barbarigo, Enzo Grossi, era brasileiro, nascido em São Paulo;

8) Os números de vítimas, com os afundamentos dos navios brasileiros (antes da atuação dos pracinhas no teatro de operação) divergem ligeiramente de livro para livro e, em muitos casos, nem mesmo são citados, chegando à casa dos 1.055 mortos;

9) Em julho de 1943, quase um ano depois da declaração de guerra brasileira, um avião PBY-5 Catalina afundou o submarino alemão U-199, no litoral do Rio de Janeiro. Essa ação teve um sabor especial: tratava-se da primeira tripulação totalmente brasileira de uma aeronave de patrulhamento antissubmarino a afundar uma embarcação inimiga;

10) "A Constituição é como as virgens: foi feita para ser violada" (Vargas tentando explicar a seu modo as imperfeições da Constituição Brasileira de 1934);

11) Havia mais de um milhão de descendentes de alemães no Brasil em 1940, o país com maior número de membros do partido nazista fora da Alemanha, com cerca de três mil integrantes;

12) Nessa época, quase metade da borracha alemã era proveniente do Brasil;

13) O lendário atleta Jesse Owens, corredor negro americano, desbancou a superioridade ariana numa das provas mais aguardadas dos jogos: os cem metros rasos. E, decepcionado, certa vez, declarou: "Não foi Hitler quem me esnobou, foi Roosevelt. Não recebi nem mesmo um telegrama do presidente depois de minhas vitórias";

14) O embaixador Souza Dantas, da embaixada do Brasil em Marselha, começou um movimento para a salvação de centenas de judeus e pôs a própria vida em risco. Mesmo com a proibição do Estado Novo para emitir vistos, o embaixador continuou a salvar as vidas dos lhe procuravam. Jamais tirou nenhum proveito disso, segundo inúmeras testemunhas. Quando lhe ofereciam dinheiro, joias e diamantes em troca do visto salvador, ele pedia que doassem tudo para Cruz Vermelha. Foram salvos cerca de oitocentos homens, mulheres, jovens, velhos e crianças;

15) Em 27 de setembro de 1940, formou-se o Eixo, com a assinatura em Berlim do Pacto Tripartite entre Alemanha, Itália e Japão. Logo adiante, Hungria, Romênia e Bulgária também se tornaram integrantes do Eixo;

16) Os japoneses já haviam invadido vários territórios da China, assassinando cerca de trezentos mil chineses após a conquista da capital da República da China em dezembro de 1937,e a ocupação da Indochina Francesa, em 1940, os Estados Unidos impuseram um severo embargo comercial ao Japão, privando o país de matérias-primas essenciais, como metais e petróleo;

17) O governo japonês tomou rumo dos regimes ditatoriais, com seu núcleo dominado por militaristas, liderados pelo ministro da guerra Hideki Tojo, líder extremista japonês, que manteve o cargo de primeiro ministro até a derrocada final do Japão, quando seria julgado e condenado à forca. O Imperador Hirohito, líder da religião xintoísta, tinha um papel meramente figurativo nas decisões do gabinete governamental, mas sua importância na tradição nipônica serviu para motivar o senso de lealdade dos soldados japoneses, que lutavam até a morte em honra do imperador;

18) Os japoneses decidiram retaliar o embargo dos Estados Unidos com um ataque à frota americana em Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941, levando o país a guerra;

19) Tojo ordenou várias medidas eugênicas, inclusive a esterilização dos "mentalmente incapazes". Com a derrota do Japão, Tojo foi localizado em sua residência em Setagaya e, quando a Polícia Militar americana invadiu a casa, ele disparou contra o peito. A bala não atingiu o coração, alojou-se no estômago, e depois de uma cirurgia de emergência, Tojo aguardou seu julgamento na prisão de Sugamo;

20) "Estou muito triste, está demorando muito para eu morrer" (primeiras palavras de Tojo após sua tentativa fracassada de suicídio ao ser preso pelos americanos);

21) Oficialmente, os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra depois da invasão alemã à União Soviética, iniciada em 22 de junho de 1941;

22) O termo Eixo foi criado por Mussolini para definir o alinhamento entre Roma, Berlim e Tóquio;

23) Desde 1942, com a declaração da guerra, o governo brasileiro taxava os funcionários públicos em três por cento de seus salários, uma contribuição compulsória para o esforço de guerra;

24) O alto-comando americano se perguntava por que enviar tropas brasileiras para lutar, uma vez que não havia nenhuma imposição por parte do governo Roosevelt nesse sentido, mas apenas a vontade do próprio governo brasileiro;

25) Ficou claro que apenas o voluntariado não seria capaz de juntar homens em número suficiente. Por conta da tenra idade dos alistados, surgiu o termo carinhoso que passaria a designar os integrantes da FEB: "pracinhas". No Brasil, o ato de alistamento é conhecido como "sentar praça". "Praça", além de indicar o local onde fica um quartel, é a designação para soldado raso em serviço. O jovem praça alistado para compor a FEB passou então a ser conhecido como "pracinha";

26) Com a redução do efetivo esperado para compor o corpo expedicionário, já que se provou impossível convocar cem mil homens para três divisões, ficou definido que a FEB teria apenas uma divisão, formada por cerca de 25 mil homens;

27) O rancho (nome da comida oferecida aos soldados) tinha aspecto repugnante; cozinhas e refeitórios eram um atentado contra a higiene, e a alimentação estava longe de suprir as necessidades mais básicas dos homens sob treinamento. As enfermarias ficavam repletas por conta dos alistados que chegavam doentes, embora muitos evitassem o atendimento médico, pelo simples medo de tomarem vacinas e injeções. Eram comuns os casos de tuberculose, somente diagnosticados quando o alistado passava pela triagem médica dos quartéis. Doenças venéreas e a péssima condição dos dentes da grande maioria completavam o quadro sanitário geral dos homens que eram selecionados para formar a FEB. Se essas eram as condições oferecidas aos soldados a caminho do campo de batalha, com que disposição lutariam? Havia um pessimismo generalizado, algo que resultou na frase que representava o pensamento sobre a FEB: "é mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil mandar soldados para a guerra";

28) Entre 1943 e 1944, Parnamirim se tornaria a base aérea americana mais movimentada do mundo, por onde passaram milhares de aviões, com mais de cem pousos diários;

29) A convocação dos "soldados da borracha": a borracha brasileira correspondia a quase setenta por cento das necessidades dos alemães, para onde o Brasil exportava antes da guerra. O governo brasileiro recebeu enormes quantias de dinheiro dos americanos para aumentar a oferta de mão de obra extrativista nos seringais da região amazônica. Vargas dotou atitudes extremas para aumentar a produção de borracha, que se tornou um dos maiores fenômenos de migrações internas do país;

30) Os temores dos americanos em relação ao Brasil se tornar um aliado do Eixo, levaram ao planejamento da Plan Rubber ("Operação Borracha"), que visava à invasão e à tomada do Nordeste brasileiro e seus estratégicos aeródromos de Natal e Recife, por meio de um desembarque naval, com data limite para fevereiro de 1942. Até manobras de treinamento dessa operação foram realizadas em território americano. Finalmente, as ações diplomáticas entre Estados Unidos e Brasil foram mais efetivas e deixaram o Plan Rubber na gaveta do Estado-Maior americano;

31) Durante a competição da rádio paulista, foi escolhida uma música como hino da FEB, Canção do Expedicionário, com letra de Guilherme de Almeida e musicada pelo maestro Spartaco Rossi. O compositor explicou que tentou representar em seus versos as muitas regiões do Brasil e sua gente..."você sabe de onde eu venho?";

32) A repercussão da ofensiva na França rendeu até uma homenagem no Brasil, quando o município de Barreiros, ao lado de João Pessoa, capital da Paraíba, teve seu nome mudado para Bayeux, primeira cidade francesa libertada pelos aliados, fato ocorrido em 22 de junho de 1944, por sugestão do ilustre jornalista paraibano Assis Chateaubriand;

33) As tropas recebeu a visita do primeiro-ministro inglês Winston Churchill, que dirigiu algumas palavras às tropas presentes: "soldados brasileiros e americanos: eu vos trago a confiança da vitória!";

34) A arma padrão do soldado brasileiro na Itália era o fuzil Springfield;

35) Durante os treinos, surgiu o emblemático grito de guerra que passou a simbolizar essa unidade da Aeronáutica Brasileira: "Senta a Pua!", uma gíria da época que significava "mete bala";

36) Durante a jornada, foi criado o símbolo do grupo: um avestruz. É de se estranhar o porquê de uma ave que não é brasileira e que não voa ter se tornado o emblema que seria pintado nos narizes dos aviões do 1°GAvCa. A escolha decorreu de uma passagem pitoresca, quando os pilotos reclamavam da dificuldade de adaptação à dieta dos americanos: muito feijão doce, ovos com bacon, salsichas e suco de grapefruit. Segundo o gosto alimentar do brasileiro, os integrantes do 1° Grupo de Caça precisavam ter estômago de avestruz para aguentar aquela comida. Assim, o artista do grupo, o capitão Fortunato Câmara de Oliveira, fez um esboço da ave que come tudo, a qual se tornou a marca visual do Senta a Pua!;

37) A tomada de Camaiore em 18 de setembro foi a primeira conquista da FEB;

38) Cada pracinha recebia cerca de dez dólares. Outros dez eram enviados em consignação à família do combatente, e mais dez eram depositados como fundo de previdência na Caixa Econômica Federal, em nome do soldado ou de alguém indicado por ele. Os trinta dólares que cada pracinha recebia faziam da FEB o efetivo mais bem pago na Itália (um soldado americano, por exemplo, recebia cerca de 28 dólares);

39) Rubem Braga reportou o seguinte: "Não mandamos à Itália 25.334 anjos. A nossa tropa, como toda tropa de ocupação em país estrangeiro e mesmo em seu próprio país, praticou abusos e crimes. Mas eles foram raros e foram punidos sempre que descobertos. Não é a eles que está associado na memória e no sentimento do povo italiano da Toscana e da Emília o nome "brasiliano";

40) O relato do tenente da reserva Emílio Varolli, único oficial da FEB capturado pelos alemães, após travar o seguinte diálogo com o oficial inimigo:

- Francamente, vocês brasileiros ou são loucos ou são muito bravos. Nunca vi ninguém avançar sobre metralhadoras e posições bem defendidas, com tanto desprezo pela vida.

- Capitão, nós cumprimos as ordens recebidas.

- Eu sei disso. Mas a tropa brasileira perdeu no ataque de hoje uma centena de homens, entre mortos e feridos, contra cinco mortos e treze feridos nossos.

- Capitão, os brasileiros não fogem à luta, haja o que houver.

- Vocês são uns verdadeiros diabos. Na minha opinião, depois do soldado alemão, que incontestavelmente é o melhor do mundo, os brasileiros e os russos são os melhores lutadores que já vi.

- Essa é sua opinião, e não a minha.

Além do tenente, 34 soldados da FEB foram capturados pelos alemães;

41) Naquele perímetro, ficava a localidade de Abetaia, na rota de subida para o Monte Castello, com uma pequena depressão no terreno, conhecida pelos pracinhas como "corredor da morte";

42) Resposta do General Mascarenhas ao General americano:" General Crittemberger, o senhor é um oficial norte-americano e tem na Itália vários quartéis-generais sob seu comando. O senhor pode transferi-los para a frente, para os lados, para trás, e ninguém notará. Esse, porém, é o único quartel-general brasileiro na frente italiana, Quando eu decidir removê-lo, será para frente, nunca para a retaguarda!";

43) Dos 25 mil homens em serviço na FEB, cerca de 14 mil entraram em combate;

44) Os homens do Senta Pua!, realizaram seu maior número de missões num mesmo dia. Desde as oito e meia da manhã, as esquadrilhas brasileiras efetuaram 44 sortidas (saídas para missões), com 23 aviões e 22 pilotos. Das 44, 11 tornaram-se missões armadas, ataques ao solo com bombas e straffing;

45) Entre os brasileiros, cinco pilotos foram mortos em combate, oito feitos prisioneiros, seis afastados por determinação médica (esgotamento físico-nervoso) e três mortos em acidentes (um nos treinamentos realizados no Panamá);

46) Heinrich Himmler, o agrônomo que se tornou chefe da SS;

47) Após o desembarque, os desfiles e as efusivas comemorações, houve uma estranha ordem imposta pelos órgãos governamentais: os integrantes da FEB foram proibidos de vestir seus uniformes, de expor o símbolo da Força Expedicionária - o emblema da cobra fumando - e, o mais estranho de tudo, de usar suas medalhas e condecorações em público. Também foram proibidas reuniões e qualquer outra forma de agremiação voltada para os relatos dos ex-combatentes, que estavam impedidos da mais simples menção sobre seus feitos e suas histórias na Itália;

48) Dos 57 mil soldados da borracha, 31 mil morreram, muitos sem conseguir pagar suas dívidas com os patrões. Poucos conseguiram volta aos seus locais de origem;

49) Muitos ex-combatentes foram internados em hospitais ou mesmo em hospícios e encontraram enormes dificuldades em ser reintegrados na sociedade;

50) Muitos desses oficiais, da chamada R-2 (Reserva) que tentaram continuar em serviço, resolveram dar baixa, depois da vergonhosa demonstração de inveja e ressentimento vinda dos quadros da ativa;

51) No mausoléu preparado no subsolo, se encontram os 468 jazigos de mármore com os nomes dos soldados, quinze deles desconhecidos, onde se lê Aqui jaz um herói da FEB - Deus sabe o nome;

52) A legenda FEB é desconhecida pela quase totalidade dos alunos de uma importante universidade paulista, de acordo com uma enquete realizada entre seus estudantes, quando não é confundida como Federação Espírita do Brasil;

53) Um brasileiro no Dia D - filme de João Barone; Documentário O caminho dos heróis; Filme Homens da Pátria, A cobra fumou, O lapa azul, e a Estrada 47; Documentário de 1942 - O Brasil e sua guerra quase desconhecida;

54) Quase ninguém sabe que a conta da saga brasileira na Segunda Guerra, cada bala, fuzil, metralhadora, canhão, veículos, aviões, navios, uniformes, latas de comida, gaze, remédios, sulfa, gasolina, tudo enfim, custou cerca de 21 bilhões de cruzeiros (cerca de 7 bilhões de reais no câmbio atual) aos cofres públicos, pagos aos bancos americanos em 12 anos;

55) A experiência de guerra é um excelente laboratório da condição humana, onde os gestos mais nobres e os atos mais covardes tomam forma;

56) Oswaldo Aranha Filho não tinha nenhuma especialização, pois, ao abandonar sua turma da Escola Preparatória de Oficiais da Reserva, seria apenas um soldado nas fileiras das tropas terrestres.