O livro das citações - Eduardo Gianetti
Cito, logo existo: o apanhador de citações no campo do pensamento
Eduardo Gianetti - O livro das citações, SP, Companhia das Letras, 2008
O Livro das Citações (subtitulado Um breviário de ideias replicantes) encerra ditos de inúmeros pensadores, economistas, escritores, artistas, cientistas, etc., desde antes da era cristã até os primeiros anos da década passada (a edição é de 2008).
É dividido em quatro seções ou partes. Na parte I as citações estão agrupadas sob Ler, Escrever, Ser Compreendido; a seção II se refere à Formação de Crenças e Busca do Conhecimento; na III elas dizem respeito a Ética Pessoal: Vícios, Virtudes, Valores; na IV trata-se a Ética Cívica: Economia, Sociedade, Identidades. Completam o volume: Coda: a arte de terminar, Notas, Glossário de nomes de pessoas, Índice onomástico e Sobre o autor.
Grande parte do conteúdo do livro tem a ver com filosofia. Tanto assim é que o autor mais replicado é Nietzsche (são 81 citações do filósofo alemão), seguido de outros grandes como Aristóteles, Sócrates (através de Platão), Schopenhauer, Montesquieu, Bertrand Russell etc. Alguns textos de Nietzsche chegam a ocupar uma página inteira e pode acontecer de que quando você chega à última linha já nem se lembra mais do que leu na primeira (e desde quando filósofos tratam de alguma coisa com simplicidade?). Mas também encontramos aqui ditos de conceituados escritores como Carlos Drummond de Andrade, Goethe, Machado de Assis, Dostoievski etc.
O volume pode ser bastante interessante para quem deseja fazer um contato inicial com a filosofia e disciplinas afins sem muito sofrimento, mas também sem grande profundidade. Não se deve esperar nada parecido com, por exemplo, O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder: aqui são apenas citações mesmo, nenhuma historinha para embalar ideias, nenhum comentário do selecionador. Para quem busca recreação vai ser meio que certa perda de tempo ler o volume pois vai se divertir muito pouco: não é como naquelas conhecidas antologias de Ruy Castro, em que predominam humor e ironia acima de tudo.
Então o livro de Eduardo Giannetti tende a agradar mais quem busca alguma reflexão (ainda que o humor também faça pensar, não?) e a propósito lembro-me agora de uma citação em que o autor dizia que quando sonhamos somos exagerados, agimos como um rei ou algo assim, e quando temos de refletir, pensar, agimos como um mendigo. Gostei dela mas por um descuido não a anotei nem me lembro o nome do autor: não sei se é exatamente assim tampouco, mas a ideia é essa mesmo: refletir, meditar com profundidade sobre algo cansa, não é mesmo? Melhor sonhar...
Tem de tudo um pouco em O Livro das Citações e abaixo vão alguns exemplos do que se pode encontrar nessa leitura. Escolhi apenas citações curtas, aquelas que achei mais curiosas ou interessantes:
Uma pessoa comum maravilha-se com coisas incomuns; um sábio maravilha-se com o corriqueiro. (Confúcio; século IV A.C.)
Quanto mais bem formuladas estejam as ideias, quanto mais explícitas elas forem, menor será sua eficácia: uma ideia clara é uma ideia sem futuro. (E. M. Cioram; 1957)
Nada se pode dizer de tão absurdo que já não tenha sido dito por algum filósofo. (Cícero; século I A.C.)
Os filósofos (...) raramente, se é que alguma vez, convencem uns aos outros, e uma discussão entre dois filósofos lembra quase invariavelmente um diálogo de surdos. (Alexandre Koyré; 1957)
Quando dois seres humanos estão perfeitamente contentes um com o outro podemos assegurar-nos, as mais das vezes, que eles se enganam. (Goethe; sem data)
Se computarmos em termos de tempo, é possível que em cinquenta anos tenhamos tido meia dúzia de horas razoáveis. (Emerson; 1850)
Pergunte-se a si próprio se você é feliz, e você deixa de sê-lo. (John Stuart Mill; 1873)
Aquele que nega possuir vaidade normalmente a possui de forma tão brutal que instintivamente ele fecha os seus olhos diante dela para não se ver obrigado a desprezar a si mesmo. (Nietzsche; 1886)
Eu não consigo encarar sem desconforto a ideia da vida sem trabalho; o trabalho e o livre jogo da imaginação são para mim a mesma coisa, eu não derivo prazer de mais nada. (Freud; 1910)
Cem anos depois de Marx, sabemos da falácia de seu raciocínio; o tempo livre do animal laboruns [animal trabalhador] nunca é gasto em nada a não ser no consumo, e, quanto mais tempo ele adquire, mais gananciosos e vorazes se tornam seus apetites. (Hanna Arendt; 1958)
A última: Se você deseja uma descrição de nossa era, eis aqui uma: a civilização dos meios sem os fins; opulenta em meios para além de qualquer outra época, e quase para além das necessidades humanas, mas esbanjando-os e utilizando-os mal porque não possui nenhum ideal soberano; um vasto corpo com uma alma esquálida. (R. W. Livingstone; 1945). Isso foi escrito há quase setenta anos e permanece verdadeiro, não?
Bem, acho que ninguém deve ler o volume com muita pressa, tudo de uma vez (a leitura pode ficar monótona, você vai bocejar, certamente) e então aproveitar melhor todo o conhecimento que ele encerra. Seria mesmo interessante tê-lo sempre por perto para consulta de vez em quando e, se for o caso, até utilizá-lo em trabalhos escolares, reforçar um ponto de vista que temos, qualquer coisa assim. Fora as ressalvas, esse trabalho do Giannetti pode ser bastante útil para alguns leitores. Tem sido para mim.