Sobre a Utilidade e a Desvantagem da História para a vida - Nietzsche
Entre os anos de 1873 a 1876, Friedrich Nietzsche, ainda um jovem professor de filologia na universidade da Basiléia e frequentador dos principais círculos literários e artísticos da burguesia alemã, decorrente de sua amizade com o já então sexagenário Richard Wagner, estava debruçado em seu projeto literário intitulado Considerações Extemporâneas, uma série de quatro artigos que criticavam a cultura europeia e, mais especificamente, a cultura alemã da sua época. Na segunda dessas suas Considerações, publicada em 1874 com o nome de "Sobre a Utilidade e a Desvantagem da História Para a Vida", Nietzsche aborda a relação entre a história e a vida humana, questionando o valor e a função da mesma na existência individual e coletiva e desafiando as concepções tradicionais sobre o seu valor, argumentando que devemos usá-la de maneira dinâmica e criativa para promover o crescimento e a vitalidade da vida humana, além da importância de nos libertarmos do peso do passado e de criarmos novos valores e significados que sejam relevantes para a vida contemporânea.
Dentre as várias ideias propostas por Nietzsche em seu ensaio, podemos destacar algumas de maior relevância, como: 1) uma crítica à excessiva valorização da história por parte da intelectualidade europeia em voga, sugerindo que essa obsessão pelo passado poderia ser prejudicial ao desenvolvimento saudável da vida. 2) a importância do esquecimento como essencial para a saúde mental e emocional, permitindo que o indivíduo se liberte do peso do passado e se concentre nas possibilidades do presente e do futuro. 3) a valorização da liberdade individual, enfatizando a importância desta na busca de uma realização pessoal e na criação de uma vida autêntica e plena de significado, capaz de transcender os valores do passado para assim criar valores novos, que sejam mais adequados às necessidades e aspirações da vida, com o objetivo de alcançar uma “grande saúde” fundamental para a existência humana.
Estas e outras ideias abordadas de maneira mais específica se encontram dentro de uma concepção mais geral da história segundo o ponto de vista nietzschiano, no qual já podemos ver o caráter sempre enérgico e combativo que desde seus primeiros escritos já fizeram parte da obra do filósofo alemão e que veríamos em suas
obras posteriores, como em Assim Falou Zaratustra, Além do Bem e do Mal ou O Crepúsculo dos Ídolos. Esta maneira mais geral a qual aqui menciono é elaborada por Nietzsche da seguinte forma: para ele, a história consiste em três tipos, tendo todas suas vantagens e desvantagens. São elas a Monumental, a Antiquária e a Crítica.
A história Monumental, de acordo com Nietzsche, olha para o passado e vê os homens e seus feitos como exemplos a serem seguidos; a vantagem é que leva o homem à ação, já que se rebela contra a mediocridade do presente para criar algo também grandioso, despertando um sentimento de admiração e heroísmo. Este tipo de história é vital para o desenvolvimento de uma cultura dinâmica e vibrante, pois incita os indivíduos a buscarem feitos grandiosos e significativos. A sua desvantagem é mitificar o passado, transformando-o numa ficção. Além do mais, desconsidera a diversidade de causas que conduzem a história, a falsa crença de que os atos podem ser repetidos.
Já a história Antiquária, por outro lado, é caracterizada pelo seu apego ao passado e pela sua tendência a valorizar detalhes triviais e sem importância. Ela se preocupa mais com a preservação e catalogação meticulosa de fatos históricos do que com seu significado ou relevância para a vida presente. Suas vantagens são um respeito ao passado em contraposição a uma época que exalta o novo e despreza o antigo, como é a modernidade. Também valoriza os laços com a sua nação, não buscando modelos no estrangeiro. Sua desvantagem é um total apego ao passado, tornando-o inerte, um fantasma, um “coveiro do presente”.
Por fim, a história Crítica é um querer-se libertar dos grilhões da tradição, não ser subserviente ao passado, o que ocorre com as outras duas. O passado deve ser condenado e destruído. A desvantagem é que o homem crítico pode ser perigoso, devido à possibilidade de ser facilmente manipulado por suas próprias paixões e ressentimentos, usando seu poder de questionamento não para promover a verdade e a liberdade, mas sim para impor sua própria visão de mundo sobre os outros. Isso poderia resultar em tirania intelectual e opressão, onde o homem crítico se tornaria um ditador moral, impondo seus valores e ideias sobre os outros de forma autoritária. Com isso, a história crítica se revela também como uma forma de falsificar o passado.
Para concluir este breve texto acerca deste célebre ensaio com pouco mais de cem páginas deste filósofo que sempre procurou abalar todos os alicerces que sustentavam a abóbada da decadente cultura europeia do final do século XIX, deixo registrado uma frase vista nessa mesma obra, que, embora não esteja diretamente ligada ao assunto em questão, é de uma sabedoria característica de Nietzsche: “A menor felicidade, quando ininterrupta e faz feliz, é incomparavelmente mais feliz do que a maior felicidade episódica, que, como um capricho, como uma ideia súbita desvairada, surge entre o desprazer, o desejo e a carência”.