A vida não é útil - Ailton Krenak
Depois de ter lido “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” e “O Amanhã não está à venda”, me convenci de que tudo que Ailton Krenak publicar vou querer ler. E foi assim que cheguei à leitura de “A Vida não é útil”. Assim como as duas outras publicações, este é uma adaptação de palestras/entrevistas e/ou lives dadas por Krenak. Dessa forma, ainda que adaptadas para textos, a oralidade deixa sua marca no livro. Aqui, encontramos inclusive o texto de “O Amanhã não está à venda”, razão pela qual até fico mais aliviada por não ter feito uma resenha à parte para ele. E, sinceramente, esse foi o texto que mais gostei de todos que li do autor, o que, creio, já vale a pena a leitura dessa seleta de textos reunidos em “A Vida não é útil”.
Àqueles que não sabem, “O Amanhã não está à venda” foi escrito durante a pandemia do COVID-19, e nele, Ailton Krenak tece duras e necessárias críticas ao comportamento humano destrutivo de seu próprio lar (nossa Terra). Este é, para mim, o texto mais claro do autor, que tem um verdadeiro cunho de carta, e talvez por isso eu o aprecie em sua forma escrita. Não que os demais textos não sejam excelentes (como os de “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”), mas ele se destacou realmente por sua lucidez em comparação aos outros.
Em “A Vida não é útil”, ele retoma suas reflexões e discursos gerados em meio à pandemia, criticando nossa equivocada noção de humanidade, nosso consumismo compulsivo e descontrolado, nossa falta de escuta e respeito àqueles que sempre tiveram o que ele chama de “memória ancestral”, ou seja, que pensam nas florestas, por exemplo, como entidades.
Selecionei algumas passagens do livro para quem quiser ter uma breve noção, muito embora a leitura do livro em si seja muito rápida:
“Se parte de nós acha que pode colonizar outro planeta, significa que ainda não aprenderam nada com a experiência aqui na Terra”.
“É mais ou menos o seguinte: se acreditamos que quem apita nesse organismo maravilhoso que é a Terra são os tais humanos, acabamos incorrendo no grave erro de achar que existe uma qualidade humana especial. Ora, se essa qualidade existisse, nós não estaríamos hoje discutindo a indiferença de algumas pessoas em relação à morte e à destruição da base da vida no planeta.”
“A proposta de desacelerar nosso uso de recursos naturais pode sugerir a ideia de adiar o fim do mundo, mas em alguns lugares, esse fim já aconteceu […]. “Ah, mas isso é muito apocalíptico, ele está apavorando a gente!” Na verdade, estou dando notícias velhas. Inclusive nas religiões dos brancos […] na cosmovisão dos brancos também já houve um fim de mundo, [mas] eles olham para nós com estranhamento quando falamos disso porque não têm memória.”