Antiterapias - Jacques Fux
Jacques Fux - Antiterapias, BH, Scriptum, 2012
Em 2013 Jacques Fux ganhou o Prêmio São Paulo de Literatura para estreantes com menos de quarenta anos (ele nasceu em Belo Horizonte em 1977). O júri final destacou então que "Fux é uma grande revelação com sua prosa dilacerante. Ele recebeu o prêmio pela intensidade dramática, pelo olhar arguto e pela prosa poética com que arregimenta sua narrativa." Verdade, e a editora Scriptum se lembrou de dizer mais, através de Márcio Seligman-Silva, que JF "surpreende os leitores com sua prosa cheia de ironia e referências à história da literatura." Surpreende mesmo!
Com muitas citações e trechos retirados de obras de diversos monstros sagrados da literatura (estrangeiros e brasileiros), de filmes e canções populares, e sobretudo por suas inúmeras menções a diversos aspectos da cultura judaica (ao nazismo igualmente). Muitas vezes plenas de humor corrosivo (que pode muito bem lembrar o humor de Woody Allen, por exemplo), elas fazem com que Antiterapias seja um livro bastante diferente de tudo o que estamos acostumados a ler normalmente (eu, pelo menos).
Pois o livro de Fux é autoficção, são memórias inventadas, ou lembranças falseadas, ou outra coisa, em que a realidade (história) recebe tratamento de "(...) photoshop, ficção e testemunho", conforme aponta Seligman-Silva. Assim, pense em Philip Roth, Isaac Bashevis Singer, Primo Levi ou Sigmund Freud e outras famosas e cultas personalidades judaicas, mas pense também na literatura de Jorge Luis Borges, Georges Perec, Ray Bradbury, Raymond Queneau e outros mais, tudo junto e misturado, e isso talvez possa dar uma ideia do que é possível encontrar nessas páginas. E quando você for ler vai ver que é tudo completamente diferente do que havia imaginado antes. Ou não: depende da cachola de cada qual, certo?
Nem sempre o livro é divertido ou interessante como nos capítulos iniciais, embora seja sempre surpreendente e aqui e ali tenha uma passagem risível, uma anedota, algo engraçado, espirituoso. Surpreende muito a erudição de Fux (ou sua inteligência, ou ambas) em Humanidades, já que ele estudou Matemática e Ciências da Computação. Mas também fez doutorado em Literatura no Brasil e na França, daí que pode mencionar Riobaldo e Diadorim, do mestre Guimarães Rosa (Grande Sertão: Veredas), num trecho e em seguida, ou noutro capítulo, emendar suas ideias com O Sumiço (Autêntica, 2015), a obra que Georges Perec escreveu sem usar a letra "e" em momento algum.
Fux nos conta, a seu modo, a história de sua vida até mais ou menos 2012 (ano do lançamento da primeira edição de Antiterapias). Querendo desde pequeno ser várias coisas, desejando ter diversas profissões ou atividades no futuro (astrofísico, arqueólogo, falsário, cabeleireiro, médico, geneticista, professor e outras mais), fazer sexo com o maior número possível de mulheres etc., aos trinta e poucos anos ele reconhece que encontrou na literatura tudo o que buscou na vida que imita a arte. Sim, de acordo com sua citação de Borges, "que a história tivesse copiado a história já era suficientemente assombroso; que a história copiasse a literatura era inconcebível" , mas não impossível para o escritor mineiro, que é o que é demonstrado em Antiterapias.
A obra não deve ser encarada apenas como autoficção ou algo semelhante. Conforme destaca a editora Scriptum o livro também pode ser visto "(...) como uma sessão de psicanálise em que o personagem principal tenta se desvencilhar das amarras e máscaras judaicas." Nisso, Jacques Fux se mostra (guardadas certas proporções) quase à altura de um Philip Roth ou Woody Allen: acho que posso afirmar isso sem receio de me enganar muito. Pela José Olympio em 2016 ele lançou Meshugá: Um Romance Sobre a Loucura, que não é uma continuação ou retomada de Antiterapias, mas que tem muito a ver com este livro por analisar conhecidas personalidades judaicas sob a seguinte questão: seriam gênios, seriam loucos, seriam ambas as coisas? A verificar.