A Zona de Interesse - Martin Amis
Martin Amis - A zona de interesse, SP, Companhia das Letras, 2015
Em várias entrevistas no lançamento do livro em questão Martin Amis (1949-2023) afirmava que não apreciou o filme de Roberto Benigni vencedor do Oscar de Filme Estrangeiro de 1998, A Vida é Bela (1997), por se tratar de uma comédia passada durante o Holocausto, coisa séria demais para se rir. Mas seu livro, A Zona de Interesse (ou Kat Zet, zona de triagem de prisioneiros judeus), usando o cenário do campo de concentração de Auschwitz, também não pode ser encarado como exclusivamente dramático. Fato que o próprio Amis reconheceu.
Amis pensava ser sua obra uma sátira amarga sobre aqueles dias cáusticos da II Guerra Mundial e usou o Holocausto e seus horrores (magistralmente descritos nos livros de Elie Wiesel e Primo Levi) para contar uma original história de amor, ou de paixão, narrada por olhos masculinos. Por três homens, para ser mais exato: dois oficiais nazistas e um prisioneiro judeu, Szmull. Angelus (ou Golo) Thomsen apaixona-se pela mulher do comandante Paul Doll, a bela Hannah Doll, o quarto personagem importante de A Zona de Interesse.
Thomsen, Doll e Szmull falam por Martin Amis e acompanhamos com interesse o que eles nos contam sobre si mesmos, Hannah, a guerra e o que se passa no campo de concentração. Tudo parece irreal por vezes, pois as barbaridades praticadas pelos nazistas são encaradas com tamanha naturalidade por esses personagens e também por outros, secundários, que ficamos chocados. Literalmente somos jogados numa zona de desconforto, como alguns livros e filmes são tão capazes de fazer.
No final da obra Martin Amis arrolou os livros que o ajudaram a construir este romance e também explica que muitos historiadores acham difícil entender o que se passava na cabeça de Adolf Hitler (nunca mencionado nominalmente durante o desenvolvimento da história, apenas nessa nota final) e seus subordinados durante o processo de extermínio dos judeus, ou "limpeza étnica", como preferiam dizer.
Os nazistas se valiam de ideias e teorias que usavam a torto e a direito em suas ações, deturpando seu significado original, como fizeram com conceitos de Nietzsche, por exemplo. Então o leitor não fica espantado quando a certa altura da leitura toma conhecimento (se já não tomou antes pois a ideia tem base histórica, é só pesquisar) da "teoria do gelo cósmico", conforme nos é explicada pelo oficial Thomsen:
"A teoria do gelo cósmico (...), também chamada de Princípio do Gelo Mundial, sustenta que a Terra foi criada quando um cometa gelado, do tamanho de Júpiter, colidiu com o Sol. Durante os trilênios invernais que se seguiram, os primeiros arianos foram cuidadosamente moldados e formados. Assim, (...) só as raças inferiores descendem dos grandes macacos. Os povos nórdicos foram preservados criogenicamente desde a aurora do tempo terrestre — no continente perdido da Atlântida." Esta, estaria situada em algum lugar do norte da Europa, como os nazistas também acreditavam.
Por isso e tudo mais que conta, A Zona de Interesse é mais do que um livro interessante, é fascinante, mesmo não sendo assim tão agradável de se ler, não apenas pelo que narra (que é duro, pesado, triste, polêmico): há frases inteiras e palavras alemãs que não foram traduzidas, provavelmente porque o autor quis assim. Mesmo assim, vale a pena ler Martin Amis, sem dúvida.