Resenha de Diva - José de Alencar

Publicado em 1864, Diva pertence aos títulos classificados como romances urbanos de José de Alencar e caracteriza um de seus famosos perfis de mulher.

O enredo gira em torno de Emília, filha de um rico capitalista, que ainda adolescente é apresentada a Augusto Amaral, médico negro recém-formado designado a tratá-la. Apesar de as excentricidades do caráter da menina dificultarem o tratamento, ele consegue salvá-la, recusando pagamento e tendo a eterna gratidão de sua família.

Retornando à corte dois anos mais tarde, dr. Amaral percebe que a menina outrora feia e desengonçada, transformou-se numa das mais belas moças, sendo a "rainha do baile" nos salões. Daí, então, o nome "Diva" que intitula o livro. Em suas descrições e construção de personagem, José de Alencar traça um panorama da sociedade do Rio de Janeiro do século XIX.

Emília, Mila, como é chamada, possui um difícil temperamento e, ao passo que provoca o encanto em Augusto, parece ter prazer em espezinhá-lo. Ele, muito sagaz, logo percebe e corresponde. Cria-se um tenso jogo amoroso intercalando belas declarações com alfinetadas, ironias e ações que desafiam as convenções da época.

Mimada e voluntariosa, Mila é acostumada a ter todas as suas vontades atendidas e uma de suas particularidades é não permitir toque físico, nem mesmo pelos entes mais próximos ou um médico por exemplo. É com essa característica que o autor busca, de forma incessante, exaltar, através do recato, a castidade como mais alto valor feminino, premissa recorrente em suas heroínas:

“Essa menina caprichosa, calma e impassível à dor, velando-se como as virgens mártires do cristianismo para morrer pudicamente...” (ALENCAR, 2006, p.11)

“Emília não valsava; nunca nos bailes ela consentiu que o braço de um homem lhe cingisse o talhe.” (ALENCAR, 2006, p.17)

O duelo amoroso segue, criando uma atmosfera de incerteza sobre as intenções e sentimentos de Mila. Os diálogos, ponto forte na narrativa dos perfis de mulher, são muito bem elaborados, com tiradas afiadas e um sarcasmo fino e delicioso de se ler.

Apenas em seus encontros a sós, em ambientes externos, o afeto dos dois pode dar vazão. O contato com a natureza se contrapõe à urbanização e à sociedade na prosa alencariana, na qual, uma enleva o ser humano e a outra o faz decair:

“Fora assim, Paulo, que se formara essa natureza tímida ao mesmo tempo que audaz. Havia nela a transfusão de duas almas, uma alma de criança e outra alma de heroína. Só em face da natureza, a agreste poesia daqueles ermos comunicava com seu espírito e o enchia de arrojos admiráveis. Em presença de alguém a vida soldava-se no íntimo como num invólucro impenetrável; restava apenas na superfície uma sensibilidade irritável.” (ALENCAR, 2006, p.27)

Nota-se com nitidez a influência de Rousseau, que tanto inspirou autores românticos na crença de que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe. Essas representações do "mito do bom selvagem" são vistas tanto em romances urbanos quanto nas obras indianistas de Alencar.

As atitudes contraditórias e instáveis de Mila criam um certo mistério sobre seus sentimentos por Augusto – ora ela arrisca sua reputação encontrando-se com ele a sós, ora trata-o com frieza, enfurecendo-o. Trava-se uma relação com comportamentos de cão e gato, demonstrando caprichos pueris, quase doentios. Quando as animosidades entre o jovem casal parecem chegar ao estopim, Emília finalmente se declara e tem-se abruptamente o clássico final feliz.

Todo enredo é narrado por meio do recurso epistolar no qual Augusto troca cartas com o amigo Paulo, que mais tarde envia o relato à mesma senhora com quem confidenciou em Lucíola. Embora esses personagens ressurjam em Diva, essa obra não é uma continuação da anterior.

“Foste meu confidente, Paulo, sem o saberes, a só lembrança da tua amizade bastou muitas vezes para consolar-me, quando eu derramava neste papel, como se fora o invólucro de teu coração, todo o pranto de minha alma.” (ALENCAR, 2006, p.7)

Dessa forma, Diva é um típico exemplar do romantismo brasileiro. Não possui, no entanto, a mesma força e expressividade de Lucíola ou Senhora, mas retrata crenças, costumes e valores patriarcais de seu tempo enquanto esboça um perfil de mulher a vivê-los e por vezes desafiá-los.

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ALENCAR, José de.

Diva, Editora DCL,2006.

Leia o estudo completo dos perfis de mulher de José de Alencar no endereço abaixo:

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Lidiane Santana
Enviado por Lidiane Santana em 20/01/2024
Código do texto: T7980774
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