Correntezas
Soteropolitana, nascida em março, sob o signo de áries, fruto de um desejo junino unilateral, Flávia Côrtes nos surpreende com um belo livro de poemas, ou, e porquê não, um derramar do próprio ser em versos - uma carta poética - que tanto pode conter um testemunho, como pode ser um brado de vitória ou, ainda, um convite à transformação sempre possível. Independentemente de como interpretamos ou de como nos sentimos tocados, é inegável que o filete de tinta que brota da ponta da pena de Flávia, de tão visceral, se faz correnteza logo nas primeiras páginas.
À primeira vista, Correntezas nos chama a atenção pelo cuidadoso trabalho artesanal da Editora Scenarium, que faz com que cada exemplar seja único e nos ganhe pela sua beleza estética. Ao penetrar no seu conteúdo, percebe-se, logo nos primeiros versos, que não se trata de um livro de poemas superficiais, mas que cada palavra está impregnada de marcas muito profundas, ora cicatrizes, ora tatuagens, cada qual com suas histórias ou sua arte permanentemente expressa na alma.
É encantadora a forma como Flávia desenvolveu a sua narrativa poética num fio que é, ao mesmo tempo tenso e suave, nos conduzindo através da evolução das feridas, pela intensidade das suas dores e pelos relevos das cicatrizes formadas. Um deslizar que nos obriga a uma alternância do ritmo. Alguns são lidos com muita leveza e quase num piscar de olhos, enquanto em alguns a leitura se torna lenta, pausada, reflexiva.
Com o tempo sendo marcado pelas voltas em torno do sol, sentimos a energia do renascimento e do restabelecimento vital, que transforma muitas das cicatrizes em arte visível, que forma caminhos de navegação, um rio caudaloso de sabedoria, de autoconhecimento e de superação diária. Um rio que se energiza em cada queda, produzindo lindas cachoeiras para um novo remanso.
“um raio de sol
certeiro nos olhos
fez um convite
e na janela
o arrebatamento:
desejo
insaciável
de escrever
sobre a festa de mar
e os vários tons de azul
por entre os prédios...”
Correntezas é um testemunho de que o autoconhecimento cura e de que a expressão poética pode ser uma válvula por onde se pode deixar escoar os sentimentos de tal forma, que as feridas internas daqueles que são tocados pelo seu teor também recebam o bálsamo da cura.
“porção
de água
cercada
por terra
é lago
não sei
como ele
manter
meu sentir
represado
minhas águas
são rio
correndo
pro mar:
imenso e manso
amor de sal temperado.”
Correntezas nos diz que é possível contornar os obstáculos. É vital e saudável aprender a ser rio, ganhar energia nas quedas para desfrutar com plenitude a calmaria dos remansos que a vida nos presentear.
Título da Obra: Correntezas
Autor: Flávia Côrtes
Editora Scenarium, 2023
ISBN: 978-65-00-84708-6
Nº de páginas: 108
Foto do livro para a resenha: Jefferson Lima