Contos - Jack London
London, um socialista que amava a vida aventureira, mas morreu cedo demais, nos deixou ótimas histórias, escritas há mais de 100 anos e que nos entretêm até hoje, tornando-se narrativas clássicas
Jack London - Contos, SP, Expressão Popular, 2009
Jack London (1876-1916) é um escritor que, para quem aprecia livros de aventuras, dispensa apresentações. Mesmo assim, nesse volume temos não apenas um pequeno resumo de cada história, mas também vários fatos ligados à biografia dele, colhidos por Magda Lopes Gebrim, que me pareceu identificar-se bastante com London por seus ideais socialistas. Para quem quiser se aprofundar na biografia dele recomendo o ótimo Jack London - Uma Vida, de Alex Kershaw, tão imperdível quanto um grande livro de aventuras. Ou então sua própria biografia disfarçada de romance, que também vale a pena conhecer, Martin Eden (1909). Mas agora vamos ao que interessa, os contos deste volume.
O Que a Vida Significa Para Mim (What Life Means to Me, 1916), assim como o segundo texto, Como Me Tornei Socialista (How I Became a Socialist, 1903) não se enquadram no gênero conto, porque são propriamente ensaios. Neles, Jack London procura se mostrar ao leitor como ele exatamente era e pensava questões de seu tempo e de toda a humanidade. Pensamentos e opiniões que irão aparecer também através de seus personagens, como sua fé na classe trabalhadora e no socialismo como política de destruição dos muros do abismo social que se ergueram à sua volta durante grande parte de sua curta vida; morreu aos quarenta anos.
O Mexicano (The Mexican, 1911) - Certo dia, no escritório de Los Angeles da junta de recrutamento de simpatizantes pela revolução mexicana, surge um jovem, Filipe Rivera, dizendo querer ajudar. Desconfiados de que possa ser um espião do presidente Diaz, não lhe dão o devido respeito, mas mesmo assim aceitam seus serviços gratuitos. Em várias ocasiões Rivera também contribuirá com dinheiro, que os militantes desconhecem a origem. Um dia, quando a junta precisa de muitos dólares para comprar rifles e despachá-los para os revolucionários, Rivera decide provar que verdadeira e literalmente lutava pela revolução.
A Volta do Pai Pródigo (The prodigal father, 1912) - Um comerciante bem sucedido na Califórnia, Josiah Childs, tempos atrás deixara esposa e filho no leste. Partira para melhorar de vida e acabou ficando no oeste, ficando rico também. Depois de vários anos pensa em voltar para casa e convencer a mulher, com quem não se dava muito bem, a acompanhá-lo de volta para Oakland com o menino, que agora tem doze anos. Viaja e percebe que a mulher continua a megera de sempre, mas o garoto lhe parece bastante amigável. Nem a mulher nem o menino sabem que esse homem, tão diferente agora, é o marido e pai, o pródigo que retornou. Conseguirá ele seu objetivo? Boa história com bom final.
O Herege (The Apostate, 1906) - Um conto sincero, comovente demais, com muitos elementos biográficos, mostrando como era extremamente penoso ser pobre no final do século XIX num ambiente industrial degradado da costa oeste dos EUA. Impossível não ficar chocado com as condições de vida e de trabalho do jovem Johnny, que desde os sete anos de idade já encarava trabalhos que seriam mais apropriados para um adulto. Lembra muito as histórias das crianças sofredores de Charles Dickens e, como aquelas, essa leitura pode nos deixar com certa angústia, com uma pena imensa delas...
Ao Sul da Fenda (South of The Slot, 1909) - Referência à fenda geográfica divisória em San Francisco anterior ao grande terremoto de 1906, que dividia a cidade entre os comerciantes ricos (norte) e a classe trabalhadora (sul). Conta a história de um professor universitário de sociologia que, motivado por suas pesquisas, decide se misturar com os trabalhadores do sul da fenda para estudá-los melhor: muda de nome e usa roupas condizentes com seu novo papel. Aos poucos vai assumindo sua nova personalidade, o que vai lhe causar problemas pessoais e afetivos, tanto entre os intelectuais que frequentava como entre os novos companheiros de luta operária. Uma história curiosa, sem dúvida.
Fazer Uma Fogueira (To Build a Fire, 1908) - Conto clássico de London, sempre presente em coletâneas de histórias do autor ou em volumes de melhores contos de todos os tempos; ele é um desses, de fato. Aqui temos a natureza selvagem do Yukon - território do noroeste do Canadá - impondo limites mortais ao ser humano, principalmente quando este, um garimpeiro, no caso, ignora o conselho de não sair sozinho em jornadas longas e distantes de seu acampamento. A angústia que o homem sente é passada brilhantemente ao leitor, que sai da leitura altamente impressionado pela qualidade do texto e a opressiva situação vivida pelo personagem.
Amor à Vida (Love of Life, 1905) - Faminto, com frio, exausto e machucado, um homem tenta desesperadamente sobreviver no inóspito Alasca, encontrar a trilha de um companheiro também perdido, pedir-lhe ajuda. Nenhum sacrifício, esforço ou sofrimento é grande demais para interferir em sua feroz, terrível vontade de sobreviver, em seu amor pela vida. De certo modo lembra outros contos de Jack London, da luta pela sobrevivência, um de seus temas recorrentes, que o consagrou como escritor de aventuras.
O China (The Chinago, 1909) - Ah Cho e Ah Chow são "coolies", chineses contratados para trabalhar numa plantação francesa na Polinésia, verdadeiros servos dos europeus. Um deles, mesmo sem ter participado de um crime, foi apenas um observador, é condenado à morte. Mas por um erro de grafia do juiz do caso - eles têm nomes parecidíssimos - o outro é que morrerá na guilhotina se não conseguir apontar o erro do magistrado a tempo. E sua dificuldade de falar francês, ser entendido, só piora sua situação.
Esterco... Nada Mais (Just Meat, 1907) - Com esse título que diz que no fim das contas somos apenas esterco - ou carne, como está no título original -, temos uma história com toques policiais, a de dois ladrões, um deles participando apenas como vigia na rua, enquanto o outro rouba uma casa; ali havia muitas joias valiosas. O primeiro fica sabendo em seguida por seu comparsa mesmo, que uma pessoa foi morta então. Nasce a desconfiança entre eles, que procuram ocultar um do outro, e caminhamos para um final bastante interessante, a justificar o título.
O Pagão (The Heathen, 1909) - Charley, o narrador, e Otoo, nativo de Bora Bora, são os únicos sobreviventes de um naufrágio após violento furacão. Tornam-se grandes amigos, verdadeiros irmãos, conviverão por muitos anos. O pagão é Otoo, o único não-cristão de sua ilha, que, no entanto, é um ser amigo, bondoso e honesto como poucos, o que o torna admirável para o próprio narrador. Vivem muitas aventuras juntos, Otoo mais cuidando de Charley do que este dele, dando-lhe excelentes conselhos e ajudando-o nos negócios. Mas um dia tudo isso acaba, num final absorvente e comovente.