Padre Sérgio - Liev Tolstoi
Tentação, misoginia, orgulho e epifania são os destaques desta novela do mestre russo
Liev Tolstoi - Padre Sérgio, SP, Companhia das Letras, 2022
Que Padre Sérgio (1898) era uma história curta, maior do que um conto, uma novela, eu já sabia, porém desconhecia que terminasse de modo abrupto, que fosse tão breve. Penso que daí foi que a Companhia das Letras, além da narrativa de Tolstoi (1828-1910), incluiu também no exemplar alguns textos, dois deles trazendo interessantes reflexões sobre a obra, além de um terceiro, do próprio autor defendendo suas posições sobre fé, religião, igreja (ortodoxa russa, no caso), moral etc. Eles são: O brilho da contradição, por Samuel Titan Jr., Uma novela a ferro e fogo, por Boris Schnaiderman e o último, de Tolstoi, Resposta à resolução do Sínodo de 20-22 de fevereiro de 1901 e às cartas recebidas nessa ocasião. Há ainda uma nota Sobre o Autor e várias sugestões de leitura finalizando o volume.
Da importância de Tolstoi na literatura russa e universal não é necessário dizer nada. Quanto a Padre Sérgio, obra do final da sua vida, ela tem muito a ver com o que o grande autor russo pensava naquele momento sobre diversas coisas, muitas delas que diziam respeito à religião. O personagem, um membro da nobreza russa abandona tudo depois de uma decepção amorosa, tornando-se então um religioso – o que, no caso não parece ser, e de fato não é, uma boa decisão –, luta ferozmente contra o desejo da carne (decepa um dedo para não cair em tentação), torna-se misógino por fim. Também, aos poucos, vai ficando bastante popular (milagreiro) e acaba se descobrindo bastante insatisfeito com sua vida.
Pois embora acredite estar servindo a Deus, na verdade o que ele faz é servir as outras pessoas, aquelas que o procuram em busca de cura, de conforto para suas dores, problemas etc. A partir de certo momento, por conta de seu orgulho ferido, começa a sentir repulsa por elas, torna-se um eremita, tal como vai acontecer de verdade no final da vida de Tolstoi. Mas nas derradeiras paginas padre Sérgio encontra a segunda personagem mais importante do livro, Páchenka, uma velha conhecida que não via há mais de trinta anos, a quem, junto com os coleguinhas de escola, havia maltratado em criança.
Páchenka vive na pobreza com sua família, mas trabalha, luta para sobreviver e pratica a caridade: faz o bem sem olhar a quem. Encontrá-la agora, conhecê-la melhor, ficar na companhia dela por algumas horas produz nele uma epifania. Padre Sérgio reflete então: “Páchenka é o que eu deveria ser e não fui. Vivi para os homens a pretexto de viver para Deus; ela vive para Deus achando que vive para as pessoas.” Esta revelação vai lhe permitir sair pelo mundo, caminhar livremente como um andarilho, até ser parado pela polícia. Sentenciado como vagabundo, é enviado para a Sibéria e lá vive agora. Mas isso não é exatamente o fim.