O Brasil do ódio, do preconceito e da intolerância
Leandro Karnal teve a ideia do título do livro "Todos contra todos", no dia 1º de novembro de 2014, quando fez análise das eleições da época, a respeito do ódio que se verificava nas manifestações em redes sociais e nos jornais. Ele recordou o homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda, quando escreveu em 1903, que se derivou o impulsivo do coração, ou seja, de que o brasileiro não é dócil para o pacifismo. Exemplo de violência corriqueira no Brasil é em situações de conflitos no trânsito, que é a a metáfora do trágico. O ódio decorrente das eleições presidenciais de 2014 que Dilma Roussef venceu Aécio Neves por diferença de três milhões de votos, gerou insatisfação dos eleitores derrotados, quando o candidato perdedor Aécio, juntamente com políticos aliados do PSDB sabotaram a pauta no Congresso Nacional, bloqueando medidas da Dilma, ato que culminou no seu impeachment por não ter a maioria no Congresso Nacional. E esta situação de ingovernabilidade fez que Dilma perdesse o cargo da presidência pelo impeachment por causa de "pedalada fiscal", o que fez assumir o governo federal, como consequência e decorrência, o vice-presidente da república Michel Temer. Tudo em nome do ódio acirrado, que perdurou nas eleições de 2016 e 2018. Assim, os ódios contras as mulheres feministas na busca de seus direitos, o ódio contra os gays e a comunidade LGBTQiA+, o ódio contra os comunistas, os esquerdistas e os petistas, o ódio contra os conservadores, liberais, neoliberais e fascistas, e assim por diante. No capítulo "O Paraíso Pacifista", o autor recorda que o Brasil não foi sempre pacífico. Houve várias revoltas na história como a Confederação do Equador de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba de 1824, a Cabanagem no Pará de 1835 a 1840, a Sabinada na Bahia de 1837 a 1838, a Balaiada no Maranhão de 1838 a 1841, a Revolta do Partido Liberal de 1842 em São Paulo e Minas Gerais, a Revolução Farroupilha do Rio Grande do Sul e Santa Catarina em 1835, a Revolução Constitucionalista de 1932 em São Paulo, o Contestado de Santa Catarina e Paraná no início do século XX, entre outros, como a Guerra de Canudos e a Revolta da Vacina. Se fosse em outros países, tais movimentos seriam denominados de Guerra Civil. Dizer que o brasileiro não é agressivo, isso não se sustenta, porque o brasileiro é preconceituoso e racista, historicamente, falando. Zumbi de Palmares, no caso, teve uma morte odiosa, quando houve o Massacre de Palmares. Ele foi decapitado, com corpo perfurado por balas e punhaladas, A cabeça de Zumbi foi espetada no poste com seu pênis decepado na boca. Foi um total ódio a sua imagem e símbolo ao líder do Quilombo dos Palmares. No caso de Farroupilha, seu movimento federalista foi chamado de "Revolta da Degola": os chefes das tropas capturadas recebiam punição de colocar fuzil no ânus e derramar neles azeite fervente. No livro "O tempo e o vento" de Érico Veríssimo, retrata-se a crueldade da guerra civil no caso de Farroupilha. As técnicas revelam que a sociedade brasileira sempre foi violenta. No livro "Brasil Nunca Mais" de Dom Paulo Evaristo Arns, descreve-se as torturas na época da ditadura militar, que suas técnicas eram até copiadas por demais países da região da América do Sul e tais práticas de torturas foram até exportadas para os Estados Unidos assim realizarem em países que provocavam guerra por causa de interesses econômicos. Isso demonstra que a violência no Brasil sempre foi existente. Atualmente, a violência no Brasil é estrutural, principalmente, contra negros, pobres, homossexuais, o que exacerba a injustiça social. Os autores Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil), Gilberto Freyre (Casa Grande e Senzala), Caio Prado Júnior (Formação do Brasil Contemporâneo), Silvio Romero, Manoel Bonfim, Joaquim Nabuco interpretam a escravidão no Brasil por situação de enfrentamento, consenso, coerção, cooptação e diálogo, quando os índios resistiram e se negaram a ser escravizados, no período da colonização. Na Patagônia, os índios nativos de lá resistiram bravamente lutando contra os colonizadores espanhóis do século XVI ao século XIX, os denominados Araucanos. O nazismo é outro modelo de violência, oriundo da Alemanha na Europa, que parte da população foi conivente e outro grupo de resistência, parecendo como o modo da escravidão. No livro "Os donos do poder" de Raymundo Faoro destaca que o Estado brasileiro se tornou patrimonialista por causa da cultura do Estado monárquico português do Rei Afonso Henrique, que tinha como confundir ou imbuir de misturar o público com o privado. Max Weber diz que tal caso é que o príncipe organiza seu poder político como poder patriarcal, o que explica o atraso no Brasil. É o caso do estamento burocrático da Dinastia Avis, que comendou Portugal de 1385 a 1580 na expansão comercial na África, Índia e Brasil. No caso, o Estado conturbado e explorador direto do comércio fez o peso do determinismo. Observa-se o exemplo da Austrália, que começou sendo colonizada por imigrantes ingleses, que na maioria eram prisioneiros, estupradores, falsários e ladrões, os quais fundaram Bretany Bay. Ou seja, Austrália começou como Colônia Penal. Entretanto, o país se desenvolveu e se tornou Primeiro Mundo. E o racismo benigno e maligno brasileiro, semelhante aos Estados Unidos e da África do Sul. O português absorveu a tradição de afastar o diferente, o que origina o preconceito e o racismo. Quando houve greve da polícia no Espírito Santo, a anarquia e o caos tomaram conta pelo crime generalizado e saques, demonstrando o que seria a ausência do Estado na sociedade: um total colapso. Logo, o Brasil funciona como a Inquisição da obra de "1984" de George Orwell. O objetivo é convencer a vítima de que ela está errada, com a estratégia do inquisidor e censor da elite. Observando que o STF teve um ministro negro, Joaquim Barbosa, o que fez lembrar o presidente pardo Nilo Peçanha, o maior espírito brasileiro. E foi o Machado de Assis, o maior escritor brasileiro fundador da Academia Brasileira de Letras, tido como mulato, mas que na verdade, era negro. Brincadeiras com questão de raça e orientação sexual, com sátira, tornaram as ofensas serem consideradas comuns e normais contra negros e gays. Infelizmente, no Brasil, naturalizaram o preconceito, o racismo, a violência e o ódio contra o diferente. O capitalismo ocidental brasileiro incorporou as pessoas mais por questão de renda econômica do que pela identidade. No Brasil, a exclusão social e de identidade se misturou com acréscimo de interpretação de cor e de renda. No Brasil, houve necessidade de apartheid velada ou camuflada. O termo "mulato" veio da palavra mula (cruzamento de cavalo com jumento) no século XVIII. André João Antonil no livro "Cultura e opulência do Brasil", disse que o Brasil no século XVIII era considerado o purgatório dos brancos, o inferno dos negros e o paraíso dos mulatos. Os capitães do mato, geralmente, eram mulatos e racistas. Observa-se que os novos ricos são querem mais maltratar funcionários, enquanto aqueles de famílias aristocratas, ou seja, de origem dos antigos nobres tratam melhor seus funcionários. Há muito, no Brasil, negro racista contra branco e contra seu próprio semelhante, mulher misógina e machista, gay homofóbico, judeu antissemita e pobre preconceituoso contra pobre. Ora, o preconceito é um câncer insidioso que atinge a vítima, o que torna falsa a democracia racial brasileira. Alexis de Tocquevile no livro "A Democracia na América", disse que se alguém tem direitos e que pode pronunciar, tem controle mais simpático. Jorge Luís Borges diz que a democracia criou uma ditadura da maioria, mas que não, necessariamente, toma decisões com qualidade. Quem dera, o admirador do fascismo, o Borges. A inveja é nunca admitida, explicitamente, mas viva para quem tem ódio contra aqueles que têm sucesso. Muitos se vangloriam da luxúria, gula e ira. Mas, não se admite a inveja. Assim, também, o ódio é ingrediente para o povo brasileiro invejoso. A globalização não impulsionou o ódio, o ódio sempre existiu na humanidade, uns contra os outros. É o ódio que faz muitas pessoas serem agressivas e matarem mais pessoas. Os sentimentos agressivos, racistas, xenofóbicos, misóginos e homofóbicos sempre estiveram latentes na sociedade brasileira. A alteridade é muito forte no caso. O contato com o outro mostra muita a incapacidade de viver com a diversidade e de achar fundamento de identidade na violência e na explosão de raiva, ódio, ira e fúria. A Internet facilita a vida de quem odeia, pois impulsiona idiotas em ataques anônimos nas redes sociais, o que transformou o ódio ser covarde, uma energia de proteção de distância física no anonimato. E é por isso que o Facebook transformou pessoas serem bonitas, épicas e interessantes, obrigatoriamente. Ninguém quer ter uma vida comum ou ter uma vida opaca. A violência da política no Brasil começou no ódio de não aceitar Dilma, Lula, PT e a Esquerda em geral como se fossem obstáculos ao progresso almejado pelas elites, e que suas políticas só beneficiaram as classes sociais baixas. Houve uma demonização do PT, como o grande causador da corrupção no Brasil pela elite e demais grupos que assimilaram seus argumentos de persuasão, esquecendo-se da estrutura originária da corrupção do Brasil na história. E por outro lado, os petistas e esquerdistas ficaram com ódio das acusações dos direitistas neoliberais e neofascistas, o que gerou a polarização impensante. Ficou petralha versus coxinha, petralha versus bolsominion. Não tem como debater ou discutir ideias, A premissa é rotular, pré-julgar, condenar e até exterminar o outro. Por isso que toda polarização é burra. E ao lado da crise política brasileira por causa das polarizações, surgiu no Brasil grupos em exercício de poder e disputa pelo poder. E sabe-se que nenhum dos lados das polarizações pensa no benefício de todos. Assim, percebe-se o quanto é inexplicável que em alguns casos de corrupção pela mídia e pela sociedade não são tão odiados, como outros, são. Mais, especificamente, contra os petistas. O ódio, no caso, julga e condena sumariamente, mesmo sem comprovação de julgamento, imparcialidade e de forma comprobatória. Assim, com essas polarizações e intolerâncias, só há duas soluções possíveis para buscar resolver: ou a coerção ou o consenso. Para quebrar a cadeia do ódio, primeiro, precisa não ensinar tal cultura às crianças. Interromper o fluxo de ódio exige interromper a educação do ódio. Não se deve alimentar o ódio por instrumentação política. Deve-se revelar que o ódio tem com pano de fundo recalques, dores, medos e anseios. Deve-se mostrar as pessoas o que incomoda seja ponto de conhecimento. Ao concluir a leitura do livro de Karnal, observa-se que a obra é uma observação crítica ácida, ferrenha e realista, portanto, necessária, diante do que se vive hoje. Demonstra a genialidade do autor, mostrando, desnudando e colocando os pontos das polêmicas para as pessoas refletirem e se conscientizarem a respeito. Pode-se considerar que é uma das obras primas do historiador Leandro Karnal, que merece toda recomendação para leitura.