As poesias de Gonçalves Dias

 

AS POESIAS DE GONÇALVES DIAS

Miguel Carqueija

 

Resenha da coletânea “Poesias completas de Gonçalves Dias”, volume II: Editora Científica, Rio de Janeiro-GB, 1965. Coleção Grandes Poetas do Brasil. Prefácio: M.Nogueira da Silva. Neste volume: “Visões”, “Poesias americanas”, “Os Timbiras” e “Sextilhas de Frei Antão”.

 

Neste volume encadernado com mais de 300 páginas, de vez em quando alguns versos vêm à lembrança, provavelmente lidos em alguma antologia escolar. Gonçalves Dias, que faleceu em 1864, é parte do imaginário brasileiro, como outros poetas a exemplo de Castro Alves, Olavo Bilac e Casimiro de Abreu. E considerado, ao lado de José de Alencar, o ápice do indianismo brasileiro.

As “Sextilhas de Frei Antão”, que encerram o volume, são escritas em português arcaico e tem o personagem-título como suposto narrador; ele conta as suas tentações pela visão de uma jovem moura capturada pelo exército português e como só por vê-la de certa forma enlouquece e fica sumindo do mosteiro dominicano, procurando por ela. Depois as coisas complicam tanto para o seu lado que ele tem de bancar o santo para evitar a violência.

Já na primeira parte encontramos — vejam só — um poema de ficção científica: “O cometa”:

 

“A imensa cabeleira o espaço alastra

E o núcleo, como um sol tingido em sangue,

Alvacento luzir verte agoureiro

Sobre a pávida terra.”

 

E a potência e periculosidade do astro é exacerbada em hipérboles:

 

“Se na marcha veloz encontra um mundo,

O mundo em mil pedaços se converte;

Mil centelhas de luz brilham no espaço

A esmo como um trono pelas vagas

Infrenes combatido.”

 

Em “Poesias americanas” expandem-0se a brasilidade e o indianismo de Gonçalves Dias: quem não conhece a nostálgica “Canção do exílio”?

 

“Minha terra tem palmeiras

Onde canta o Sabiá,

As aves, que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá.”

............................

“Não permita Deus que eu morra

Sem que volte para lá (...)”

 

Os índios são apresentados como guerreiros fortes, intrépidos, até ferozes, mas dotados de ética rude. Porém o “Canto do Piaga”, tristíssimo, conta a sinistra visão do pajé:

 

“Ó guerreiros da Taba sagrada,

Ó guerreiros da tribo Tupi;

Falam Deuses nos cantos do Piaga,

Ó guerreiros, meus cantos ouvi.”

.......................

“Por que dormes, ó Piaga divino,

Começou-me a Visão a falar:

Por que dormes? O sacro instrumento

De per si já começa a vibrar.”

 

E o fantasma que surgiu na tenda do piaga vai anunciando o triste futuro que aguarda os índios, a usurpação das suas terras pelos brancos que chegam pelo mar:

 

“Ouve o anúncio do horrendo fantasma,

Ouve os sons do fiel maracá:

Manitôs já fugiram da Taba”

Ó desgraça” Ó ruína” Ó Tupá!”

 

E a escravidão dos indígenas cruamente anunciada:

 

“Vem trazer-vos algemas pesadas

Com que a tribo Tupi vai gemer;

Hão de os velhos servir-lhe de escravos,

Mesmo o Piaga inda escravo há de ser!”

 

“Os Timbiras” é um dos nossos raros poemas épicos e fala na esquecida tribo dos Timbiras e suas guerras. Versos que falam em lutas, em armas, em ódio e até propostas de pacificação.

 

“Ouvi-me, Gurupema, ouvi-me todos”

Da sua tentativa o rei das selvas

Teve por prêmio o lacrimoso evento;

E era chefe brioso e bom soldado!

Só não pôde sofrer que alguém dissesse

Haver outro maior tão perto dele!

A vaidade o cegou! (...)

 

Realmente Gonçalves Dias acaba enxergando que a guerra pode ser um exercício de vaidade!

Com certeza, neste recurso da poesia hiperbólica, o autor põe na boca dos índios frases que eles não saberiam dizer em sua cultura primitiva. Todavia, os leitores sabem disso.

 

Rio de Janeiro, 9 de novembro de 2023.