Montando o quebra-cabeça da vida na Casa dos Espíritos
"A casa dos espíritos", de Isabel Allende, ficou marcado para mim como um livro de jornadas, através da árvore genealógica de uma família cuja trajetória de três gerações acompanhamos.
Pegando o gancho da espiritualidade, que na obra não é nada mais do que um plano de fundo para os acontecimentos mundanos (mas nem por isso pouco importante), ao longo da leitura é possível identificar em cada personagem, cedo ou tarde, uma missão ou uma prova, suas fraquezas e suas forças. Munidos de características marcantes e naturezas singulares, eles se harmonizam ou se conflitam a depender do contexto. Em outras palavras, é um livro de "carmas", para quem tiver essa visão, ou se não, um livro de vidas.
Mas o seu ponto chave é justamente o que uma das personagens percebe: são carmas ou vidas emaranhadas, que tecem um labirinto de causas e consequências cujo futuro é impossível de se prever (ou se é possível para a personagem clarividente, pouco ou nada se pode fazer para alterá-lo). Somente se pode entender esse labirinto depois que seus corredores foram percorridos, tornando-se passado, e daí aprender suas lições, compreender o encaixe de suas peças e assim extrair um pouco de alívio para o sofrimento.
Apesar de extenso, o livro tem um ritmo veloz - os fatos são apresentados em sequência acelerada, que se constitui predominantemente pela narração de personagens e pouco por diálogos, o que estimula a continuidade nessa longa viagem no tempo que não perde tempo.
Além do sobrenatural, o panorama de cada fase também é fortemente constituído de elementos históricos, econômicos, políticos e sociais baseados no Chile (país do livro, embora não seja citado na obra), mas que se assemelham a qualquer sociedade. Tem-se assim a mistura que resulta em seu realismo fantástico, uma das características que fazem essa obra ímpar, além de se tornar um dos meus livros preferidos.