A República - Platão
A minha leitura da República de Platão se deu após um longo período de espera e muita curiosidade, afinal de contas, a obra é uma das mais importantes não apenas do autor, como de todo cânone filosófico-literário ocidental. Segundo especialistas, o livro faz parte de um período intermediário da vida de Platão, no qual a voz de Sócrates ainda era o principal meio pelo qual seu mais eminente discípulo formulava suas principais ideias, o que deixou de acontecer nos escritos posteriores, visto que a figura de Sócrates vai gradativamente perdendo espaço em textos da última fase de Platão.
Minha curiosidade foi crescendo conforme eu ia lendo as obras de um dos meus filósofos favoritos, Nietzsche, para quem Platão é o principal responsável pela decadência da cultura europeia e para quem os dardos nietzschianos são apontados e atirados com maior violência e precisão. Segundo o filósofo alemão que proclamou a morte de Deus, o cristianismo nada mais é do que o platonismo para o povo comum, o que é muito fácil em concordar, tendo em vista a semelhança entre conceitos chaves platônicos e os textos da futura igreja católica, como a existência de um mundo das formas eternas e imutáveis, um mundo no qual estariam as formas mais reais e perfeitas, sendo o mundo empírico uma distorção desse mundo ideal ou, porque não, transcendental. Mas as críticas aos textos de Platão não foram acontecer só muito tempo depois de escritos, como no caso aqui citado; Aristóteles, o mais brilhante aluno da sua Academia, já o havia refutado nA Poética, famosa obra na qual é revisto a importância dos poetas na sociedade grega antiga, visto que no livro X, o último da República, Platão bane os poetas em sua sociedade ideal, com o argumento de que estes criam representações fictícias que podem desviar as pessoas da verdade e da virtude, fazendo com que a justiça, que é o tema central da República, não seja possivelmente alcançada em decorrência dessa suposta corrupção da alma. Os argumentos de Aristóteles sobre o tema poderão ser vistos em uma possível resenha da sua Poética; por ora, vamos nos ater a alguns pontos do livro de Platão aqui analisado.
No livro III, após já ter discorrido sobre o elemento dramático na poesia épica, o que para os estudiosos do mundo acadêmico de várias áreas do conhecimento humano é tido como o primeiro texto ocidental de análise e crítica literária, Platão dá destaque para a função da música na construção do caráter dos homens e mulheres ideias para a formação da sua sociedade utópica. É discutida a importância do ritmo e da melodia na música grega, devido a influência que as harmonias terão sobre o espírito do cidadão ateniense ideal. Segundo Platão, certos padrões musicais devem ser permitidos enquanto outros devem ser rejeitados. No final deste livro III, é onde se encontra o texto que mais se assemelha, a meu ver, aos textos católicos, principalmente os do período medieval, na qual cada cidadão teria o seu papel no mundo segundo uma hierarquia social proclamada pelos deuses da mitologia grega, no caso da Grécia antiga, e pelo Deus cristão, segundo a doutrina da idade média. No meu ponto de vista, é uma manipulação deliberada das massas em relação às suas condições sociais. Compreendendo esta parte, conseguimos ter total consciência da verdadeira importância de Platão nos textos dos principais fundadores da teologia cristã, como Santo Agostinho ou São Tomás de Aquino.
A ginástica também é uma atividade muito importante para Platão, tendo em vista o espírito guerreiro que deve ser estimulado nos homens e mulheres, sendo assim um fator muito importante para a condição física dos guardiões do estado. Segundo Platão, a música e a ginástica são os dois pilares para o aperfeiçoamento da alma, aonde ambas irão harmonizar a paixão e a razão, que, combinadas, irão controlar o desejo.
Um ponto também muito interessante a se destacar na República é o papel dos sofistas. Para Sócrates/Platão (essa é uma discussão que parece infinita, a de distinguir o quanto tem das ideias de Sócrates e o quanto tem das ideias de Platão nos diálogos), os sofistas são meros professores de retórica e argumentação, sendo assim, totalmente o oposto dos filósofos, que são os verdadeiros buscadores do conhecimento, já que é através do dialética, isto é, o método de diálogo e questionamento utilizado para se chegar ao verdadeiro conhecimento do bem, que todos os verdadeiros amantes da sabedoria deverão utilizar para se chegar a verdade.
Os argumentos que eu poderia aqui utilizar para fomentar a leitura da República por parte de pessoas que ainda não a leram, são muitos. Mas digo que é sempre muito importante tomarmos conhecimento das obras basilares da cultura ocidental. Por isso, parafraseio aqui Heródoto, que quando morreu, Platão ainda era uma criança de colo: “Conhecendo o passado, compreendemos o presente e projetamos o futuro.”