A REPÚBLICA EM TEMPOS DE REFORMA UNIVERSITÁRIA

A reforma universitária tendo por base a universidade latino-americana tem como referência maior a experiência de Córdoba na Argentina, já no início do século XX. A partir da década de 1960, o Brasil através da União Nacional de Estudantes (UNE) assumiu a bandeira da luta, através de uma greve deflagrada pelo co-governo da universidade. Em plena ditadura militar, em idos de 1968, a lei universitária da época, reconheceu a importância do movimento estudantil, enquanto responsável pela adoção de medidas fundamentais para o fortalecimento universitário a título de representação, face ao movimento instaurado, mesmo que de forma restrita.

Contudo, no último quartel do século XX, a idéia da universidade pública da América Latina se tornou mais evidente, associada ao Estado Desenvolvimentista. No Brasil, esse fato se deu através de um modelo estatal implantado a partir da revolução de 1930, em que se criou o denominado “modelo amplo na organização da sociedade a partir de um conjunto de agências e empresas estatais”.

1 – Reformas e contra-reformas na América Latina no final do século XX

No final do século XX, vários balanços são feitos acerca das reformas educativas na América Latina, sendo caracterizados fundamentalmente pelas mudanças: “...nos modelos de financiamento, exigência da eficiência através da implantação de sistemas avaliativos e pressões por relações mais estreitas com o setor produtivo. Em grande parte dos países da América Latina as transformações derivadas dessa geração de reformas tiveram lugar na década dos 90, exceto o Chile cuja reforma começou nos 80”. (Guadilla, 2003: 19).

No Brasil atual, o desafio que se apresenta é mais contundente, ou seja, o de participar da reestruturação da educação brasileira aqui e agora, face às perspectivas de promoção de uma educação futurística.

Nos dois estudos recentes de Carnov – “Mundialização e reformas da Educação: o que os planejadores devem saber” (1986); e “Está a Educação latino-americana preparando a força de trabalho para as economias do século XXI?” (2004) – trazem reflexões importantes acerca da reforma universitária para a América Latina.

Vale ressaltar, quão importante a análise do autor quando preceitua que: “as conseqüências diretas ou indiretas da mundialização sobre os sistemas educativos”, é tido como decorrência da “evolução do mercado do emprego com uma nova demanda de mão de obra com alto valor agregado por sua maior densidade tecnológica” e a “necessidade de créditos suplementares para educação num contexto de uma conjuntura hostil a expansão do setor público” resultam numa constante em que se compreende: “se o saber é essencial á mundialização, esta deve ter uma profunda incidência sobre a transmissão do saber”, tendo meramente dois ingredientes essenciais que são a informação e a inovação.

Quanto ao ensino superior latino-americano, algumas contradições são visíveis entre as mais altas coberturas da matrícula e a qualidade massificada do ensino e estão atreladas às limitações da pesquisa. No Brasil, Colômbia e Chile, países com forte presença de matrícula no ensino privado, tendem a valorizar a experiência chilena, mesmo sabendo que a redução do financiamento estatal das universidades públicas não ultrapassem os 33% (trinta e três por cento) do estímulo ao ensino e à pesquisa.

2 – Do privatismo liberal-positivista ao nacional autoritarismo da Revolução de 1930.

Duas leis gerais sobre educação no Brasil tiveram uma longa vigência quando promulgadas. A primeira, durante o Governo Provisório de Vargas pós-Revolução de 1930, a segunda por sua vez, em 1968, pelo Ministro da Educação, Tarso Dutra, durante a ditadura militar instaurada em 1964 e que ainda vigora.

Na implantação das Universidades, com uma distância de mais de quatro séculos entre a colônia portuguesa e hispânica (em 1538 em Santo Domingos e em 1934 em São Paulo), a república Brasileira rompeu com o ensino superior “oficial” das faculdades e escolas profissionais durante o período da monarquia imperial.

Por outro lado, o avanço no país se deve à Lei Orgânica de 1915 que “estabeleceu que as escolas superiores criadas pelos estados e por particulares deixavam de sofrer qualquer fiscalização por parte do governo federal”, através de currículos organizados sem a intervenção federal.

Vale dizer, portanto, que a reforma da era Vargas não deve ser compreendida sem o debate educacional que a precedeu através da Associação Brasileira de Educação (ABE), no ano de 1924. Isso demonstra a importância do processo, uma vez que em vários Estados foram introduzidas as reformas do ensino por profissionais da educação.

Foi realizado no ano de 1927, na cidade do Rio de Janeiro um Congresso do Ensino Superior, comemorando o centenário dos cursos jurídicos no Brasil, propondo que “todo o ensino no Brasil deve ser organizado da forma universitária e, para isso, deve ser elaborada uma lei regulamentando a criação de universidades, incluindo as livres”.

Já a Revolução de 1930, o contexto político e econômico coloca em pauta duas políticas educacionais em confronto: a liberal-elitista e a nacional-autoritária. Os conflitos entre as duas correntes, aconteceu entre 1930 e 1935, uma vez que o autoritarismo situava-se na esfera do “poder-central”, especialmente nos Estados de São Paulo e no Distrito Federal e dominavam as idéias liberais.

O Decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, assinado por Getúlio Vargas e Francisco Campos, instituiu o “Estatuto das Universidades Brasileiras”, preceituando que o ensino superior “obedeceria, de preferência, ao sistema universitário”, sendo ministrado por “institutos isolados”, sendo o primeiro regido pelo referido Estatuto e o segundo, instrumentos definidores das regras da institucionalização e de padronização do sistema público de educação superior “oficial”, obedecendo-se, é claro, o seu Regimento.

Porquanto, o decreto preconiza que as universidades públicas brasileiras têm como pré-condição para a sua “constituição”, a congregação de pelo menos três das seguintes unidades (Direito; Medicina; Engenharia e Educação, Ciências e Letras; sem referência à Filosofia); disposição da capacidade didática (professores, laboratórios, etc.), bem como, “recursos financeiros concedidos pelo governo, por instituições privadas e por particulares” (Art. 5º). Por outro lado, poderiam ser mantidas pela União, Estados ou “sob a forma de fundações ou de associações, por particulares, constituindo universidades federais, estaduais e livres” (Art. 6º).

Outro ponto não menos importante é que os Estatutos deveriam ser aprovados pelo Ministro da Educação e Saúde Pública e “...sendo modificados por proposta do Conselho Universitário ao Ministro, ouvindo o Conselho Nacional de Educação (CNE) (Art. 7º)”.

Vê-se claramente o forte controle estatal, “as universidades gozariam de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, didática e disciplinar”, nos limites do Decreto (Art. 9º), admitindo-se a possibilidade de “ampliar pela incorporação de novos institutos, com prévia aprovação, evidente, do Conselho Universitário” (Art. 11).

Portanto, é relevante destacar que “as universidades estaduais ou livres poderiam ser equiparadas às federais para efeito de “concessão de títulos”, em conformidade com a inspeção prévia procedida pelo Departamento Nacional de Ensino, ouvido o CNE” (Art. 12) e estas “ficariam sujeitas à fiscalização do Governo Federal através do Departamento Nacional de Educação (CNE)” e “poderia ser suspensa enquanto não fossem sanadas graves irregularidades” ou fechada por Decreto do Governo Federal, desde que instaurado o inquérito, depois de ouvido o CNE (Art. 13).

No advento do governo militar, o interesse pela modernização universitária se deu através do Programa de Ação Econômica do Governo (1964-1966), em que a educação passa a ser considerada capital humano.

Em agosto de 1966, o Ministro Flávio Suplicy de Lacerda solicitou parecer sobre a reformulação das universidades federais ao Conselho Federal de Educação (CFE), tendo como resposta o parecer do Conselheiro Valmir Chagas, acompanhado de um ante-projeto de lei que transformado em Decreto-lei sob nº 53 de 1966, instituía algumas medidas necessárias à metodologia da aprendizagem e suas técnicas de aperfeiçoamento do ensino universitário.

Através do movimento estudantil de 1968, os militares resolveram intervir com o processo de reforma, que tinha como principais premissas: o intercâmbio entre ensino superior e secundário, civil e militar e a educação para a cidadania, com a proposta de inserção na grade curricular de ensino da disciplina Educação Moral e Cívica e o Projeto Rondon.

A Lei Universitária nº 5.540, de 1968, resultado de um “Anteprojeto de Lei sobre organização e funcionamento do ensino superior”, foi elaborado por um “Grupo de trabalho” de onze membros, então designado pelo Presidente Costa e Silva e presididos pelo Ministro de Educação Tarso Dutra, e foi responsável no “estudo da Reforma da Universidade brasileira visando a sua eficiência, modernização, flexibilidade administrativa e formação de recursos humanos de alto nível para o desenvolvimento do país”.

O Grupo de Trabalho – GT confeccionou um relatório que dimensionava as relações entre Estado e autonomia universitária, e essa proposta se consolidou com o Anteprojeto de Lei e a Lei nº 5.040, que mesmo com uma série de vetos foi apreciada, votada e aprovada disciplinando o ensino superior no Brasil.

No entanto, a Lei de 1968 não esgotou a reforma, mas foi acompanhada de uma série de ante-projetos de leis complementares, tais como: alteração do Estatuto de Magistério Superior Federal; criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação; incentivos fiscais para o desenvolvimento da educação; adicional do Imposto de Renda para o financiamento de pesquisas relevantes para a tecnologia nacional e modificação da destinação do Fundo Especial da Loteria Federal.

4 – Brasil 2004: a reforma da educação superior como prioridade.

No início do segundo ano do governo Lula, a “reforma universitária” foi considerada como uma das prioridades a nível governamental depois de várias décadas. A questão foi tratada de forma conjuntural com a realização de seminários nacionais e internacionais, sem o compromisso na adoção de um cronograma de ações voltadas para a sua implementação.

A Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação/SESu, em meados de 2003, criou uma “Comissão Especial de Avaliação”, que por sua vez elaborou a proposta do Novo Sistema de Avaliação institucional (SINAES), aprovado pelo Congresso no escopo da Lei nº 10.861 de 14 de abril de 2004.

Através dessa proposição pôde-se instituir no país, a denominada Reforma Universitária pelo então Ministro Tarso Genro, formando-se um Grupo executivo que tem como meta a reforma do ensino superior.

Todavia, a reforma universitária é tida como um ato de ousadia política diante da complexidade de uma elaboração participativa num contexto democrático, uma vez que as leis universitárias anteriores foram elaboradas baseadas no autoritarismo e de certa forma as restrições econômicas atualmente, contribuem para as resistências tradicionais face aos investimentos, principalmente no tocante a financiamentos públicos destinados á Educação Superior.

No Brasil fica evidente que os desafios de uma reforma universitária a serem enfrentados são enormes e complexos.

É necessário, contudo, romper a lógica do governo anterior que aprofundou a privatização pela expansão descontrolada desse setor, e estabelecer critérios de forma estratégica em função das necessidades nacionais e regionais.

O conceito de reforma, entretanto, adquiriu o contexto de políticas de ajustamento econômico na América Latina e das experiências de reformas educativas em diferentes contextos internacionais nas últimas décadas.

Situando a educação superior face à valorização sistêmica da educação em geral, o Ministro Tarso Genro manifesta a sua clara filiação à idéia da democratização da educação superior pela ampliação do acesso a setores excluídos, o que ocasionará a necessária expansão pública.

Com vistas ao deslumbramento metodológico que se aplica na educação superior, a mesma está vivendo uma das conjunturas mais ricas das últimas décadas, principalmente para àqueles que debatem a educação superior brasileira.

Visto isso, a autonomia da educação requer uma avaliação específica, porque a universidade, enquanto instituição social, somente realiza a sua missão acadêmica e social se mantiver um equilíbrio dinâmico entre qualidade acadêmica, relevância social e eqüidade.

O autor destaca que o grande desafio é o de contextualizar o tema “reforma universitária” de forma amplamente democrática, ou seja, o Brasil precisa urgentemente construir uma instituição que seja a expressão de uma sociedade democrática e pluricultural, inspirada nos ideais de liberdade, de respeito pela diferença e de solidariedade, mas que seja calcada, sobretudo, na consciência crítica, repensando as formas de vida, e suas organizações sociais, culturais, econômicas e políticas.

Referência: Trindade, Hélgio - Texto-base – A República em Tempos de Reforma Universitária; O Desafio do Governo Lula. / 2004.

Pirapora-MG – maio/2007.