Poesia andante

Poesia andante

O (Re)verso da palavra (Arribaçã, 2023), de Rony Santos, professor e poeta, pode ser interpretada como uma obra antipoética, se pensarmos a poesia como manifestação do belo, mas quem disse que literatura se faz com bons sentimentos? Ou podemos conceber o livro como um manifesto, não panfletário, no qual são abordados temas sociais que transitam pelos versos para denunciar as mazelas humanas.

O livro se divide em seis partes: O produto, Das coisas singulares, Das coisas inóspitas, Das coisas dadas, Das coisas ignotas e O arremate. Percebe-se, a partir dessa segmentação, que o autor duela com as palavras, tendo como recurso anáforas antitéticas, de forma a revelar o projeto antilírico. Como num ciclo vital, vai pela origem (vida) até o arremate (morte), passando por oscilações, altos e baixos, sabores e dissabores, até reflexões metalinguísticas, como podemos conferir no poema intitulado “Funções” (P33):

Tudo bem?

Tudo bem.

Oi!

Oi!

A linguagem fática une,

na brevidade do tempo,

o que a referencial faz no celular

carregada de emoticons frios:

emotivos? Não. Projetados.

O eu lírico mobiliza algumas funções da linguagem – fática, emotiva, metalinguística e poética para refletir acerca da comunicação artificial, “projetada”. Mais à frente, o leitor poderá conferir uma voz que clama pelo cotidiano, exige o resgate do trivial, mas não banal. Deseja “a linguagem do dia/fervendo em cada lexema[...]”.

O professor Hildeberto Barbosa Filho, em texto publicado em A União – “Voyeur da miséria” –, 20/08/2023, afirma que O (reverso da palavra intenta atingir o reverso das coisas, o outro lado das coisas, as coisas avessas, os dados imperceptíveis, os lugares esquecidos; seres, bichos, calçadas, ruas, praças e avenidas de uma cidade que se expõe ao olhar aceso e indignado do poeta que vasculha seus desabrigos, suas entranhas, suas veias e artérias dilapidadas.

A meu ver, Hildeberto acerta, sobretudo quando aponta para a indignação na poesia de Rony Santos, que usa as calçadas como a metáfora de quem transita pelos fatos com olhar atento, transformando notícias em poema, como assim o faz Manuel Bandeira em “Poema tirado de uma notícia de jornal”. Mas não é só a voz de Bandeira que ecoa na obra de Rony. Em muitos momentos, os leitores de poesia poderão notar ressonâncias de Drummond, ora explícita, ora implicitamente, além de Mario Quintana, Augusto dos Anjos, até chegarmos a sugestivas imagens concretistas.

Octavio Paz escreve em O arco e a lira que quando as circunstâncias sobrepõem o impulso criativo do poeta, eis o poético. A poesia de Rony percorre a cidade, detém seu olhar sobre os desvalidos, sobre a maioria minorizada, mostra na força do verbo o peso da pedra. O (Re)verso da palavra é o livro de estreia do professor Rony, obra que passou por um processo de maturação, que nasce num cenário urbano, porém não dispensa clamar pelo cotidiano que pode ser visto na velha cidade, ainda com traços rurais, seja esta João Pessoa ou tantas outras.

Por fim, a violência retratada nos versos de Rony Santos não é anônima. Ela aponta para nós. Somos vítimas e algozes. Sorte que ainda temos a poesia como fonte de beleza e de indignação. O (re)verso da palavra é o verbo desnudo, numa jornada obscura e, ao mesmo tempo, esperançosa.

Texto publicado no jornal A União em 03/11/2023

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 03/11/2023
Código do texto: T7923461
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