RESENHA "ANÁLISE DE DISCURSO: PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS" - ENI PUCCINELII ORLANDI
ORLANDI, Eni Puccinelli. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 12. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2015. 100 p.
A obra "Análise de discurso: princípios e procedimentos", escrita por Eni Puccinelli Orlandi, nos propõe refletir sobre linguagem, sujeito, história e ideologia, não é um objetivo da obra criar especialistas em análise de discursos, mas sim, ser um primeiro contato com os princípios e procedimentos, para que o leitor consiga através da análise do discurso, compreender os processos de identificação do sujeito e interpretação da realidade pelo homem. A obra é dividida em três capítulos e cada capítulo tem vários subtítulos, que dão dinamicidade à leitura do livro.
A ausência de uma introdução, chama atenção e é explicada no prefácio, autora explica que há várias maneiras de apresentar uma obra. Em suas primeiras palavras faz o leitor pensar sobre o que está lendo, sabendo que a linguagem está além do que está simplesmente escrito, carregando posicionamentos que nem sempre estão claros. A memória que adquirimos, absorvemos e guardamos as informações, graças ao desenvolvimento tecnológico torna possível a inovação, e o objetivo da obra seria compreender e usar os métodos de análise para uma interpretação profunda.
Em seu primeiro capítulo, visualizamos a linguagem como uma parte importante na construção da sociedade, entendemos como a linguagem funciona de acordo com o analista de discurso. Para isso existe uma descoberta a ser feita: o que é palpável e o que é subjetivo? A análise de discurso se torna então a resposta do que o texto diz e seu significado, não apenas o que está explícito e que o autor quer dizer. A maneira como se falamos está ligada a nossas crenças e é influenciado pela sociedade, que nos ensina pelas ideias que absorvemos ao longo da vida, assim a língua só adquire sentido porque está conectada aos que conhecemos e como somos moldados pela sociedade e pela cultura.
Claramente influenciada por M. Pêcheux , a autora traz também outras referências. A língua apesar de ter suas próprias regras, não é independente, pois o sujeito e o contexto afetam como a linguagem é usada, e como é influenciada pelo simbolismo, os eventos históricos. Tudo tem que ter um significado e o modo como alguém se expressa na linguagem demonstra isso. Discurso não é apenas a transmissão, é tudo o que a mensagem significa, inclusive as coisas que não ficam explícitas.
Em seu segundo capítulo, Orlandi defende que "a linguagem é linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história". Como por exemplo, uma palavra que tinha um significado positivo no passado, pode adquirir uma conotação negativa ao longo do tempo, com base em eventos históricos ou mudanças na sociedade.
As palavras são organizadas em frases e são ditas em diferentes contextos, o que a autora chama de sintaxe e enunciação. Nossas crenças e valores também nos influenciam, resultado da teoria da ideologia. Seus significados ao longo do tempo, são explicados como teoria do discurso. E todas essas áreas são afetadas pela teoria do sujeito, que se baseia na psicanálise, e como a mente humana e as emoções influenciam a forma como utilizamos a linguagem.
Duas análises nunca serão iguais pois usam diferentes ideias e isso afeta a forma como são descritas e como são estudadas. Mesmo uma única pessoa fazendo perguntas diferentes pode usar conceitos diferentes o que leva a diferentes abordagens do estudo. Pessoas diferentes, com as mesmas perguntas também podem gerar resultados diferentes.
Para que o leitor tenha uma experiência palpável com o tema, a autora exemplifica o que quer dizer: o caso sobre eleições universitárias, onde uma faixa colocada na frente da uma de uma universidade e o que a faixa estava realmente querendo dizer. O contexto político, o significado das cores, e até mesmo o local onde a faixa estava… Todos os elementos comunicavam algo. Correlacionado a este caso a autora explica então o conceito de interdiscursos, onde as memórias e elementos de outros discursos afetam a forma como as pessoas interpretam e dão significado ao texto, ou uma mensagem, e como essas influências vem de diferente contextos sociais, crenças, política e até mesmo a memória cognitiva.
Se tratando do intertexto, que envolve a relação entre um texto e outros textos, onde não existe a influência da memória do esquecimento, autora retoma o exemplo da faixa na universidade para explicar os dois tipos de esquecimento: 1) o esquecimento ideológico, que nos faz acreditar erroneamente que somos a origem de nossas palavras, quando na verdade estamos retomando os sentidos já estabelecidos; 2) o esquecimento da enunciação, que está relacionada como escolhemos dizer algo, pois ao falar de maneira específica, esquecemos que há outras formas de expressar a mesma ideia. Isso nos leva a acreditar que há uma relação direta e natural entre as palavras e coisas, mas na verdade o modo como dizemos afeta o significado.
É complicado distinguir completamente o que é igual e o que é diferente. Por isso, dizemos que a linguagem funciona através da tensão entre repetir coisas (paráfrase) e criar novos sentidos (polissemia).
O subtítulo "Relações de força, relações de sentidos, antecipação: formações imaginárias" refere-se à ideia de que todo discurso se relaciona com outros discursos, influenciando e sendo influenciado por eles. Além disso, os indivíduos têm a capacidade de antecipar como suas palavras afetarão seus interlocutores, o que afeta a argumentação. Interessante que a ideia de relações de forças, explica as influências. Toda comunicação se baseia em uma formação imaginária, não só os indivíduos e lugares reais que importam, mas também as imagens projetadas deles que determinam como eles se posicionam no discurso e isso diferencia lugar e posição na comunicação. Tudo está ligado à formação de significados e ao poder das palavras na comunicação. A autora retoma então ao exemplo da universidade para exemplificar que o orador é eficaz quando consegue antecipar e controlar o que as pessoas pensam ou esperam ouvir, e isso envolve a capacidade de entender como as imagens e as palavras afetam a formação da opinião pública e como podem ser usados de forma estratégica para comunicação com seus eleitores.
Então o discurso não se constitui a partir do seu sentido, mas também pode possuir diferentes sentidos, o sentido é a prova de que existe a interpretação e a ideologia, que elas se complementam e uma atesta a existência do outro. A linguagem é a base para que o sujeito possa se expressar, mas tanto sujeito quantos significados estão em processo de formação e são incompletos. Como estão sempre em movimento são dependentes da linguagem da história. O que a autora explica em três tipos de repetição: a repetição de uma ideia anterior, a repetição de uma forma linguística e a repetição relacionada a história.
Quando compartilhamos imagens, histórias e informações que representam aspectos selecionados do real, muitas vezes criamos uma versão idealizada ou editada da realidade. Para isso, em seu último capítulo, Orlandi explica que não devemos procurar um único sentido verdadeiro de um texto, mas sim entender o seu sentido real. Assim, no decorrer do livro nós conseguimos trabalhar a intersecção entre a descrição e a interpretação, onde a análise de discurso não se preocupa com o que está escrito, mas, abrange diversas formas de comunicação, como imagens, letras e outros. Então, seria importante escolher o que se estuda (corpus), e que parte do material vamos analisar, podemos ser guiados pela pergunta ou pela perspectiva desta análise. Escolher o que vai ser estudado e a abordagem são etapas iniciais do processo, e essa escolha vai ser definida pelo objetivo final. Assim como definir os limites e fazer os recortes necessários.
Não podemos considerar o texto apenas como fato, precisamos entender ele os elementos que estão em torno da análise como: a memória, a língua e a sua evolução ao longo do tempo. O sujeito está influenciado por vários fatores e o autor está organizado nas suas ideias. O discurso não é uma representação completa, ele apenas uma maneira de mostrar e representar o sujeito.
A autora separa o locutor como uma pessoa que se coloca no discurso e enunciador em toda sua perspectiva, que constrói no discurso, envolve assumir a responsabilidade pelo que está sendo dito e como está sendo dito. Partindo do pressuposto que é a linguagem que tendo seu recorte subjetivo, vai depender do seu contexto.
Portanto temos três tipos de discurso, que seriam: o autoritário, onde existe apenas o locutor; o polêmico, que envolve uma disputa entre interlocutores; e o lúdico, onde os interlocutores se expõem ao que está subentendido. E por mais que a ideologia seja fundamental na formação do sujeito e na produção dos sentidos, é importante que a língua seja vista como um sistema sujeito a imperfeições.
A Orlandi que em seu prefácio disse que não faria a introdução ao livro, torna todo o livro em uma grande introdução ao assunto da análise de discurso, tornando o assunto importante para quem está lendo pela primeira vez, e a relevante para várias áreas de conhecimento. O destaque da obra é ser de fácil entendimento para todos.