"A Invasão Cultural Norte-Americana" (estadunidense), de Júlia Falivene Alves - Introdução

 

A Invasão Cultural Norte-Americana (Estadunidense) | Júlia Falivene Alves

 

Introdução

 

Nosso objetivo, neste livro, é denunciar a amplitude e as consequências da invasão cultural norte-americana (estadunidense) no Brasil. Ao fazermos isso, tentaremos resgatar um pouco da nossa verdadeira história, analisando sobretudo os momentos mais favoráveis ao invasor e os movimentos de resistência brasileira ao colonialismo cultural.

 

Como as armas mais eficazmente utilizadas pelos invasores têm sido os meios de comunicação de massa, dedicamos um espaço significativo às histórias do rádio, música, cinema, televisão, quadrinhos e produção de brinquedos no Brasil dos últimos 70 anos. Na maior parte do tempo, nossa atenção esteve voltada para as ideias e valores transmitidos pela cultura importada e para as consequências da adoção, no Brasil, do “estilo de vida norte-americano” (estadunidense).

 

Gostaríamos de deixar bem claro que nossas denúncias e críticas não são endereçadas ao povo norte-americano (estadunidense), mas ao processo e tática de dominação exercidos pelos Estados Unidos em nosso e em outros países periféricos ou em desenvolvimento. Essas denúncias teriam sido feitas da mesma maneira se fossem ingleses, franceses, russos, belgas, italianos, japoneses ou quaisquer outros os invasores culturais em nosso país.

 

Reconhecemos que chegam até nós muitas coisas boas da cultura dos Estados Unidos. Sabemos respeitá-las, apreciá-las e incorporá-las ao nosso cotidiano. Não desejaríamos eliminá-las de nossa vida. Ao contrário, somos a favor da intensificação do intercâmbio cultural do Brasil com o maior número possível de povos e nações, mas de modo que todos possam participar, em igualdade de condições, como beneficiados e como colaboradores no processo de trocas de práticas e experiências da comunidade humana universal.

 

O que questionamos, muito mais do que propriamente a qualidade da cultura importada, é o exclusivismo ou a hegemonia dos modelos norte-americanos (estadunidenses) e sua adoção sumária pela nossa população, sem chances de adotar postura crítica ou processo de reelaboração, em prejuízo tanto da produção brasileira como da de outras nacionalidades.

 

Durante nossa exposição usaremos as palavras de origem inglesa em sua grafia original, de modo que a percepção da presença norte-americana (estadunidense) entre nós seja mais bem concretizada. Esse foi o motivo, aliás, pelo qual preferimos usar a sigla USA (United States of America) em vez de EUA ou EEUU, dollars em vez de dólares etc. O povo norte-americano (estadunidense) muitas vezes será chamado por nós de yankee, denominação dada aos americanos (estadunidenses) do norte do país durante a Guerra de Secessão (1861-1865), depois generalizada a toda a população dos USA, e que se difundiu entre nós sobretudo através de filmes, como, por exemplo, ...E o vento levou (direção de Victor Fleming, 1939). Na América Latina em geral, nos tempos da Guerra Fria, e sobretudo na década de 1960, o termo recebeu uma “coloração” particular, associado à ideia de “invasor”.

 

Talvez algumas vezes nossas denúncias à invasão cultural e suas consequências pareçam aos leitores um tanto exageradas. Diz a sabedoria popular que “quem procura acha”, e realmente, durante todo o tempo de elaboração deste livro, foi sobretudo a procura, atenta e sistemática, a tônica maior do nosso trabalho. Com receio de cair no exagero procuramos checar a cada momento nossas conclusões. Também ficamos chocados com o que encontramos e não nos foi nada fácil constatar inúmeras vezes, conforme a expressão do educador Paulo Freire, o invasor “hospedado dentro de nós”.

 

Libertar-se, afinal de contas, é sempre muito doloroso, uma vez que implica a tomada de consciência da nossa dependência e, consequentemente, o abandono de modos de ser com os quais durante algum tempo convivemos e que, por serem os únicos conhecidos, foram a base de nossa própria segurança emocional, ainda que ilusória.

 

Temos certeza, porém, de que, ao se colocar em posição crítica para observar a realidade cultural que o circunda, nosso leitor confirmará a situação que constatamos.

 

Tivemos que lidar com muitos conceitos passíveis de inúmeras interpretações. Evitamos discutir os vários sentidos que recebem algumas palavras para não fugirmos aos objetivos principais do livro. Procuramos, no entanto, deixar explícita a significação que elas têm para nós, embora às vezes tivéssemos que fazê-lo muito rápida e, portanto, grosseiramente.

 

Quanto ao termo cultura — e isso é bom esclarecer desde o início —, nós o usaremos no sentido mais amplo possível, ou seja, tudo o que provém da organização da vida social de um povo, tanto no que se refere ao trato com os recursos naturais e relacionamento entre os membros do grupo como na forma de conceber a realidade e expressá-la. Enfim, abrangerá tudo o que caracteriza uma população humana em sua existência social, como: atividades econômicas e políticas; técnicas; utensílios; estrutura familiar, religiosa e jurídica; língua falada; ideias; conhecimentos; crenças; esportes; lazer; arte etc.

 

Esperamos com este livro poder colaborar, ainda que modestamente, com os movimentos e grupos que se propõem a batalhar pela emancipação econômica, política e cultural do nosso país.

 

Lançamos alguns dados para estimular a reflexão, reiniciar o debate e levantar polêmicas, pois acreditamos que, hoje, mais do que nunca, diante do processo de globalização, é preciso discutir esses problemas com coragem, aberta e profundamente.

 

Essa será, sem dúvida, uma luta árdua, mas sentimos que o momento é este, quando assistimos ao desenvolvimento de uma cultura planetária e de um novo personagem, o “cidadão do mundo”, e quando formulamos a pergunta que não quer calar: Será que os diferentes povos que compõem essa aldeia global conseguirão manter, daqui para a frente, a riqueza contida em suas diversidades culturais? Ou será que o atual processo de mundialização da cultura norte-americana (estadunidense) deixará todos eles com a mesma cara dos USA?

 

E mais esta: O que acontecerá com a cultura brasileira, se até agora ainda estamos construindo nossa própria identidade cultural?

 

 

 

 

 

 

 

Cláudio Carvalho Fernandes
Enviado por Cláudio Carvalho Fernandes em 21/09/2023
Reeditado em 21/09/2023
Código do texto: T7890624
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