O Cônego ou Metafísica do Estilo (Várias Histórias) - de Machado de Assis.
Machado de Assis escreveu um conto de ficção científica!
No ano 2.222, o cônego Matias, ocupado na redação de um sermão que lhe fôra encomendado, deparou-se com uma dificuldade: vincular um adjetivo ao seu substantivo correspondente. Na teoria psico-léxico-lógica do cônego, de cada hemisfério do cérebro nasce um tipo de palavra: os adjetivos, do esquerdo; e do direito os substantivos. E as palavras têm sexo, amam-se, e casam-se, e do casamento delas nasce o estilo. O do cônego é o estilo eclesiástico.
O criador de Capitu ciceroneia o leitor pelo labiríntico meandro do cérebro de seu herói, observando-lhe os detalhes da mente, em atividade, ocupada na busca ínfrene da ligação eterna de um substantivo e um adjetivo. O esforço dele, vão. Perde-se o cônego em devaneios, à janela, encantado com um pavão, com um papagaio, com a natureza deslumbrante, com o Sol majestoso. Enquanto se ocupa em admirar a natureza, esquecido da tarefa de redigir o sermão, sua mente, independente dele, trabalha, à vontade, livre, em busca do que ele procurava, usando-lhe da consciência. E ocorrem dois eventos simultâneos: a emersão do inconsciente - que fica à vista do leitor - do cônego Matias e a imersão do leitor no inconsciente do cônego Matias. E o substantivo e o adjetivo, independentemente do cônego Matias, procuram-se, e acham-se, e unem-se, e, unidos, elevam-se ao consciente dele. E o cônego Matias, enfim, completa o sermão; encontrara, afinal, durante seus momentos de devaneio, o que tão arduamente procurava: o substantivo e o adjetivo que se lhe correspondia. Ou foi o inconsciente dele que empreendeu todo o trabalho, e não ele?! Ou foram o substantivo e o adjetivo que, agindo no inconsciente dele, procurando-se, realizaram o que lhes era da vontade, independentemente do cônego Matias, do consciente e do inconsciente dele? Aqui, entendemos que as palavras, dotadas de vontade própria, parasitam o inconsciente de seu hospedeiro, sendo, portanto, o homem desprovido de vontade própria. Ou vive o homem e as palavras em simbiose?
É um conto intrigante este do Machado de Assis. De ficção científica! E escrito no século XIX! É uma obra de antecipação. Em suas poucas linhas, não se pronunciam robôs, tampouco alienígenas, seres que, acreditam os neófitos, são imprescindíveis ao gênero; todavia, têm um futuro hipotético. E trata o conto de questão comum aos homens: a importância do inconsciente para a consciência humana, para a criação da cultura humana.
Este conto reforça em mim uma idéia: é Machado de Assis um escritor dotado de criatividade superior à que lhe atribuem. Dizem que ele era desprovido de imaginação; discordo, terminantemente. A imaginação dele manifestou-se na criação de obras de características incomuns, machadianas.
É Machado de Assis um bruxo, o do Cosme Velho.