O romance da mulher sozinha

 

O ROMANCE DA MULHER SOZINHA

Miguel Carqueija

 

Resenha do romance “Sozinha!”, de Henry Ardel. Companhia Editora Nacional, São Paulo-SP, 1955. Biblioteca das Moças, 47. Tradução de Enio de Almeida. Título do original francês: “Seule”;

 

Esse nome — Henry Ardel — é bastante conhecido, mas esconde uma mulher. Berthe Palmyre Victorine Marie Abraham (4/6/1863 a 6/1/1938), nascida em Paris. Era comum que mulheres utilizassem pseudônimos masculinos, por razões comerciais ou por causa do preconceito.

“Sozinha!” é a história de Ghislaine de Vorges, uma garota que, órfã de mãe e acabando de perder o pai, descobre que ficou pobre embora fosse aristocrata, já que o General de Vorges havia dissipado os bens da família.

Acostumada a luxos, festas, ser requestada pelos rapazes, Ghislaine conclui, angustiada, que precisa trabalhar, ganhar a vida, coisa a que a aristocracia não estava habituada. Na época de Henry Ardel isso ainda era comum. A novela provavelmente foi escrita ainda no século 19, pois não aparecem os automóveis.

A narrativa é muito afetada, como era comum em autores daquela época. Os diálogos são terríveis e piegas. Todavia a história é digna, sem nada das baixarias modernas. Mas vejam o que ocorre no pensamento de Ghislaine:

“Ganhar a vida! Estas palavras soavam-lhe no espírito como nota desafinada, ofendendo-lhe obscuras vaidades de raça. Suas avós haviam sido todas grandes damas, requintadamente elegantes; e ela, descendente delas, sentia-se tomar de surda revolta, vendo-se obrigada a alistar-se na humilde falange dos assalariados.”

Ela acaba se tornando a preceptora da garota Josette, de 16 anos, que é criada pela esnobe Senhora Maulde, sua avó, lá deixada por Geraldo de Moraines, seu pai, que enviuvara.

Josette era considerada problemática, mas gostou tanto de Ghislaine que passou a considerá-la como sua mãe, apesar de que, pelo que percebi, a diferença de idade era pouca. Josette acaba sendo a felicidade de Ghislaine, e então acontece o inesperado: o pai da menina é gravemente ferido numa caçada (tipo de atividade que me parece extremamente desagradável) e morre em decorrência disso, mas antes de morrer se declara a Ghislaine e a pede em casamento — Ghislaine aceita por caridade, enviúva em seguida e se torna assim, legalmente, a madrasta de Josette.

A menina deixa de ser problemático e o problema econômico de Ghislaine se resolve, mas o futuro se lhe afigura triste: um futuro de solidão. Enquanto isso Josette move-se entre a dedicação da madrasta e a frivolidade da avó.

Um romance melancólico, sensível, mas de linguagem antiquada, grandiloquente.

 

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2023.