Recuperação de áreas degradadas em São Roque do Canaã (ES): um caso de sucesso
Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas no tocante à recuperação de áreas degradadas, mas a de Gerson de Freitas Junior, realizada sob a minha orientação no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente (Mestrado e Doutorado) do Centro Universitário de Araraquara - UNIARA, merece um destaque especial por ter saído dos intramuros da universidade e se tornado um bom exemplo de teoria que se torna práxis. O resultado da pesquisa está registrado na dissertação intitulada"Revegetação de mata ciliar em áreas de extração de argila no município de São Roque do Canaã-ES", que deverá ser publicada em formato de livro em breve.
Cada área degradada possui especificidades quanto aos processos que a levaram ao seu atual estado de degradação e, destes processos, muito dependem as estratégias ideais de intervenção para a restauração das funções ecológicas das áreas. Gerson testou em campo um modelo de recuperação pensado no seu processo de orientação relacionado à restauração florestal de áreas de retirada de argila para a indústria cerâmica (telhas, tijolos, pisos etc.) no município de São Roque do Canaã (ES).
A indústria de cerâmica é necessária à econômicas e ao desenvolvimento social de São Roque do Canaã. Um dos principais aspectos da atividade ceramista no município está na geração de emprego. Todavia, esta atividade interfere diretamente na preservação ambiental, cujas principais consequências são a perda da biodiversidade, da fertilidade natural do solo e a interferência nos recursos hídricos da região. A imagem que se tem da mineração não é boa, não somente em São Roque do Canaã, assim como em todo o Brasil. Ambientalistas, imprensa e sociedade enxergam a atividade mineraria ligada ao impacto visual negativo, principalmente.
A melhor forma de diminuir os impactos causados no solo pela mineração é pelo estabelecimento de uma cobertura vegetal perene sobre o local minerado. Assim, considerando o perfil da mineração em São Roque do Canaã, optou-se pelo estudo das áreas mineradas de argila por meio de um “Projeto Piloto de Revegetação”. Os resultados da pesquisa contribuíram para o aperfeiçoar o trabalho de revegetação em áreas de extração de argila, destacando-se também por proporcionar um desenho de políticas públicas, com atores coletivos, tanto públicos como privados.
O projeto foi desenvolvido nas áreas mineradas de São Roque do Canaã, baseando-se em estudo detalhado das áreas de extração de argila, buscando obter uma ideia real da extensão da mineração dentro do município e descrever a situação em que essas áreas se encontram, caracterizando, também, possíveis recuperações existentes. Delimitou-se uma parcela de um hectare da área de extração de argila localizada em São Dalmácio, distrito da cidade, às margens do rio Santa Maria do Rio Doce, para a implantação do projeto piloto de revegetação com espécies de mata ciliar ocorrentes na região.
A pesquisa objetivou propor um desenho de políticas públicas locais, visando a recuperação de áreas florestais, envolvendo atores individuais, coletivos, públicos e privados, promovendo parcerias com diversos setores, articulando-os para a expansão do projeto piloto, com a criação de um “Conselho de Ceramistas” e com o apoio da Prefeitura Municipal de São Roque do Canaã.
O estudo realizado em São Roque do Canaã está relacionado à recuperação de área em curto prazo por meio do estabelecimento de uma cobertura vegetal com espécies nativas da Mata Atlântica. No curto prazo, em termos recuperação de áreas mineradas, os processos são os seguintes: recomposição da topografia do terreno, controle da erosão do solo, revegetação do solo, correção dos níveis de fertilidade do solo, amenização do impacto da paisagem e controle da reposição de estéreis e rejeitos.
O estudo da mata ciliar como ecossistema foi muito importante para a pesquisa, pois o projeto foi introduzido em áreas ciliares onde existem formações argilosas aptas à extração, localizadas às margens do rio Santa Maria do Rio Doce, no município de São Roque do Canaã (ES). As principais funções das matas ciliares são: controlar a erosão nas margens dos rios, evitando o assoreamento; minimizar os efeitos das enchentes; manter a qualidade e quantidade das águas; filtrar os possíveis resíduos de produtos químicos como agrotóxicos e fertilizantes e auxiliar na proteção da fauna local.
No levantamento prévio dos pontos de mineração de argila observou-se uma grande concentração de pontos de extração de argila na região mais elevada do município, mais próxima do ponto onde acontece a divisa territorial entre os municípios de São Roque do Canaã e Santa Teresa. Essa predominância se explica pelo fato de que essa parte do terreno possui áreas mais planas, oferecendo facilidade no manejo do solo, o que representa menores custos para as empresas ceramistas da região. Durante o trabalho de investigação sobre as áreas degradadas pela mineração, não foram encontradas áreas recuperadas após o término da exploração. As áreas mineradas estavam abandonadas e expostas a um processo de degradação continuado.
O impacto é muito grande em relação às áreas mineradas, pois existe uma concentração grande de pontos de extração de argila num espaço muito pequeno, praticamente toda a margem do rio já foi de alguma forma explorada, quer seja no caso de extração de argila, para a construção civil, quer seja pela agricultura ou pecuária, restando pouquíssima ou nenhuma área preservada na região minerada.
Durante a realização dos trabalhos de campo, inúmeros aspectos negativos foram observados com relação ao manejo do ambiente nas áreas mineradas: 1) ausência de projetos que contemplem a recuperação da área minerada ou a existência de projetos “fictícios”, que jamais serão levados a cabo; 2) a extração é feita com retro-escavadeira de comando hidráulico e produzem fossas (covas) com profundidades variando de 1 para 3 m; 3) utiliza-se mais a argila de várzea pela facilidade de captação e por apresentar elevado índice de umidade e alto grau de adensamento, mas isto produz efeitos negativos no corpo d’água (rio Santa Maria do Rio Doce); 4) a retirada da cobertura vegetal para início da mineração é feita sem nenhum critério; 5) a retirada da cobertura de solo fértil é feita sem critério e ele não é armazenado adequadamente e acaba se perdendo; 6) a extração acontece de maneira desuniforme, criando verdadeiras “crateras” na área e dificultando o processo de recuperação da vegetação; 7) depois de concluída a extração, as áreas são abandonadas e, com a ausência de cobertura vegetal, o solo fica totalmente exposto à ação do tempo em do clima.
Para um processo de reflorestamento é essencial o estudo do solo da área onde se estabelecerá o projeto de revegetação, pois fornece dados sobre a necessidade de correção de pH e sobre quais adubos deverão ser utilizados.O estudo florístico também é indispensável para o processo de revegetação com espécies nativas da Mata Atlântica. Ele foi realizado utilizando coletas aleatórias de fragmentação das espécies presentes nas margens do rio Santa Maria do Rio Doce. A revegetação de uma área degradada envolve custos altos de implantação e de manutenção. O levantamento do custo foi feito a partir das informações sobre os produtos utilizados, desde máquinas e implementos até o trabalho humano.
A maior parte dos gastos com o projeto piloto, principalmente os relacionados ao uso das máquinas, foi custeada pela Câmara de Vereadores. As mudas foram doadas pela ONG Bombeiros Voluntários de Santa Teresa, que, inclusive, auxiliou no plantio. Para enfrentar a questão dos custos elevados, tanto da implantação como da manutenção surgiu a ideia de se criar um caixa entre os ceramistas, com o pagamento mensal no valor de um salário mínimo. Este fundo somado à parceria com a Prefeitura, que disponibilizaria as máquinas, tornaria viável um processo permanente de recuperação das áreas degradadas pela mineração de argila.
A área de implantação do projeto piloto compreende um hectare e meio de uma propriedade privada cedida pela família proprietária, localizada às margens do rio Santa Maria do Rio Doce, em São Roque do Canaã, ES, região Centro-Oeste do Estado do Espírito Santo. O projeto foi realizado com várias parcerias: Prefeitura Municipal de São Roque do Canaã, Escola Agrotécnica Federal de Santa Teresa, Câmara de Vereadores de São Roque do Canaã, Bombeiros Voluntários de Santa Teresa e empresas privadas.
A participação da prefeitura do município de São Roque do Canaã foi de extrema importância, devido a sua influência local sobre os ceramistas, facilitando os trâmites legais e a realização de reuniões, além da facilitação de recursos e maquinários. A primeira reunião aconteceu em 18 de setembro de 2007, com o intuito de apresentar a ideia do projeto piloto para buscar financiamento com os ceramistas e também para deixar os vereadores cientes das intenções expressas no projeto em questão.
Uma parte importante no processo de recuperação é estabelecer condições apropriadas para o crescimento das plantas. A preparação do terreno deve ser feita de maneira a atender as necessidades das plantas a serem introduzidas. Os aspectos químicos da preparação do terreno foram direcionados no sentido de garantir as melhores condições possíveis para o crescimento das plantas. As seguintes etapas foram realizadas: preparação das covas e adubação; plantio das árvores e irrigação; controle de pragas, replantio e manutenção da área revegetada.
Repercussão do projeto e participação do poder público local. Em 16 de julho de 2008, ocorreu uma reunião com ceramistas visando à expansão do projeto piloto, sob a coordenação do mestrando Gerson de Freitas Junior e da empresária ceramista Márcia Aparecida Volpi Calci. Oito cerâmicas estavam representadas no evento: Unitelha, São Roque, Santa Maria, Mundial, Arco-Íris, Safira e Elite. Ainda se faziam presentes representantes dos fabricantes de esquadrias de madeira da região: Bassani e Santa Maria. O objetivo do encontro era reunir as empresas para trabalhar com a recuperação das áreas mineradas e, futuramente, expandir para as nascentes.
Nesta reunião, decidiu-se que o projeto piloto serviria de base para outros projetos. Também ficou decidido que, para cada etapa dos trabalhos, seria elaborado um orçamento para provisão de fundos para sua implantação. Decidiu-se ainda que uma pessoa seria contratada para preparar os projetos, acompanhar os trabalhos, vistoriar as áreas trabalhadas e fazer os relatórios e a prestação de contas para a associação em processo de formação. A intenção era criar uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), com os seguintes objetivos: recuperação de áreas degradadas; educação ambiental; limpeza do leito e das margens do Rio Santa Maria do Rio Doce; buscar meios para instalar uma usina de separação e compostagem dos resíduos domiciliares. Assim, ema 23 de julho de 2008 começou o trabalho de expansão do projeto piloto juntamente com a Prefeitura de São Roque do Canaã e empresários do ramos cerâmico e de esquadrias de madeira, com o plantio de 1.500 árvores numa propriedade particular, também no distrito de São Dalmácio, em São Roque do Canaã.
É importante frisar que o projeto Revegetação de Mata Ciliar em Áreas de Extração de Argila no Município de São Roque do Canaã ( ES) que, além de possuir um caráter marcadamente extensionista, tratou-se de uma pesquisa nova para o Estado do Espírito Santo e para o município. O trabalho trouxe informações e produziu novas estratégias, que se confirmaram viáveis, sobre recuperação ecológica das áreas de mineração de argila por meio de procedimentos de revegetação com espécies nativas e chegou a constituir-se numa alternativa para conhecer, avaliar e encontrar soluções para as carências ou deficiências em nível local, envolvendo parcerias público-privadas, com envolvimento da sociedade civil organizada.
É grave o problema ambiental relacionado à extração de argila em São Roque do Canaã. Para que a recuperação das áreas degradadas continue acontecendo é fundamental o desenvolvimento e a consolidação das parcerias que o projeto de pesquisa propiciou. Isso está acontecendo; as parcerias têm garantido o avanço no sentido de novos trabalhos de recuperação de áreas degradadas.
O estudo reforçou a importância da participação do poder público nas reuniões com os ceramistas. A interação público-privada (Câmara de Vereadores, Prefeitura Municipal, empresários, ONGs etc.) mostrou-se indispensável para a conclusão do projeto piloto, pois ambos se ajudaram financeiramente e através da disponibilização de máquinas e equipamentos, o que acabou por baratear o custo das operações.
Com a instituição de parcerias, criou-se um desenho de políticas públicas, com atores coletivos, públicos e privados que contribuiu para o sucesso do empreendimento. Os próximos projetos de revegetação já têm um roteiro a seguir e os parceiros já estão identificados e comprometidos. A pesquisa serviu também para aumentar a consciência crítica sobre a questão ambiental no município estudado. Por exemplo, algumas escolas têm levado seus alunos para conhecerem a área do projeto piloto de revegetação no distrito de São Dalmácio. Efetivamente, o projeto de pesquisa “Revegetação de Mata Ciliar em Áreas de Extração de Argila no Município de São Roque do Canaã (ES), elaborado para o Mestrado em Desenvolvimento Regional e meio Ambiente do Centro Universitário de Araraquara (UNIARA), tornou-se referência para a região e para o Estado do Espírito Santo.
Referências
FREITAS JUNIOR. G. Revegetação de mata ciliar em áreas de extração de argila no município de São Roque do Canaã, ES. Dissertação (Mestrado) - Centro Universitário de Araraquara - UNIARA, Araraquara, SP, 2009, 166p.
http://www.uniara.com.br/arquivos/file/cursos/mestrado/desenvolvimento_regional_meio_ambiente/dissertacoes/2009/gerson-de-freitas-junior.pdf