O Mistério da Cripta Amaldiçoada - de Eduardo Mendoza
É de leitura agradável este livro de aventura policial espanhola, ambientado em Barcelona, o herói de Eduardo Mendoza, herói cujo nome o seu criador não dá a conhecer aos leitores, um doido-varrido, interno de um manicômio, e dotado de talento inegável às lides investigativas, e que recebera do delegado Flores a incumbência de estudar um caso, talvez um rapto, escabroso, macabro, misterioso - sob a promessa de ser libertado da instituição de Orates se o solucionasse -, o desaparecimento, do colégio das madres lazaristas de São Gervásio, de uma de suas alunas, e ele o soluciona, mas o que se dá após encerrado o caso não é o ideal, isto é, não são, direi, na ausência de uma expressão, que não encontro, apropriada, moralmente aceitáveis as decisões, que as tomou o delegado Flores, posteriores à solução do crime, que o louco investigador resolve após enfrentar contratempos sem conta e empreender peripécias dignas de Sherlock Holmes, escapulir às garras da polícia, ser bem-sucedido em suas artimanhas, revelando-se, ao ver-se em situações adversas, um homem prático, que sabe fazer uso de prestidigitação, assim direi, para ludibriar os seus perseguidores, impedindo-os de se converterem em seus captores, e usando, tal qual Hercule Poirot, de perfeito raciocínio lógico, de sutilezas, que ele os possui, das quais os leitores ao lerem-lhe os primeiros episódios da aventura jamais aventariam ser ele capaz. Recorreram-lhe aos serviços o delegado e uma freira; entregou-lhe o delegado o caso do sumiço da jovem do colégio das madres lazaristas de São Gervásio, pois era ele, o louco detetive, a pessoa ideal para investigá-lo: ele poderia imiscuir-se em qualquer grupo social, e sem se preocupar, ao desempenhar seu papel, em limitar-se a usar os trâmites legais, e os da polícia oficiais, ficando autorizado, dir-se-ia, a executar ações que não estão impressas nos documentos oficiais da corporação policial, e caso o capturassem, naqueles perigosos anos pós-Franco, ninguém em sã consciência diria que ele, um louco, era um investigador associado ao Esquadrão de Investigação Criminal, e tampouco, que ele agia sob as ordens do delegado Flores. Era ele um homem descartável. Quem em sã consciência associaria um louco esfarrapado, desmazelado, maltrapilho, a exalar fedor nauseabundo, a viver em tugúrios fétidos, um homem que vivia de comer restos de comida que encontrava em latas de lixo e cuja irmã era uma reles prostituta, à polícia espanhola?! Em sã consciência, ninguém.
O caso que o investigador doido-de-pedra, com a percuciência de Poirot e Holmes investiga, o desaparecimento da garota, trouxe à lembrança da superiora do colégio das madres lazaristas de São Gervásio e à do delegado Flores um caso similar sucedido seis anos antes: o desaparecimento de Isabelita Peraplana, filha de um ricaço. Acreditou-se, de início, que Isabelita Peraplana tinha sido vítima de um rapto - suposição descartada assim que, da mesma forma que ela desaparecera, misteriosamente reaparecera. E deu-se o dito pelo não dito; e o caso foi arquivado - e arquivado com ele ninguém mais se incomodou; o novo caso, todavia, com o anterior conservando muitas semelhanças, e envolvendo-o em negras nuvens, que fizeram o delegado Flores e a freira encasquetarem-se, obrigou o delegado a ir até o herói, o louco herói, desta aventura. Havia alguma coisa, o que, ninguém sabia, coisa de todos desconhecida, coisa que todos desejavam saber o que era, e tinha o investigador de descobrir de que coisa se tratava, coisa que interligava os dois casos. Era um mistério. E tal mistério envolvia, além da desaparecida misteriosamente e misteriosamente reaparecida Isabelita Peraplena, o pai dela, e a dela melhor amiga, Mercedes Negrer, e o jardineiro Cagomelo Purga. Caso resolvido, cuidaram regressasse o herói, cujo nome não ponho nas linhas, poucas, desta resenha, porque Eduardo Mendoza, o autor de O Mistério da Cripta Amaldiçoada, malandramente não o registra na sua bem-humorada obra - e tal informação eu já prestei ao leitor, em alguma das linhas acima desta -, ao convívio dos doutores Sugrañes e Chulferga.
É O Mistério da Cripta Amaldiçoada um bom passatempo, imperdível, bem-humorado, a narrativa a desenrolar-se num ritmo adequado para uma aventura policial despretensiosa, que não peca pela negligência do autor, que cuidou do vocabulário, simultaneamente sofisticado e simples, composto de palavras incomuns, umas, populares, outras, e chãs, poucas, a formarem um todo harmonioso, coeso.
Lê-se com agrado as pouco menos de duzentas páginas do livro; as cenas, descritas com clareza, de tão vívidas os leitores as imaginam e nelas se inserem.
Um passatempo imperdível é O Mistério da Cripta Amaldiçoada, de Eduardo Mendoza, livro que li, gostosamente, em um dia.