A ladra de livros - o romance

A LADRA DE LIVROS – O ROMANCE

Miguel Carqueija

 

Resenha do romance “A menina que roubava livros”, de Markus Zusak. Editora Intrínseca, Rio de Janeiro-RJ, 2014. Título original: “The book thief”. Tradução de Vera Ribeiro. Capa: imagens do filme.

Obra fascinante e volumosa, “A menina que roubava livros” é uma obra-prima e desmente amplamente que os romances atuais, se para o público adulto, tenham de ser sórdidos. O autor é australiano e lançou “The book thief” em 2005; o romance foi filmado em 2013 numa co-produção EUA/Alemanha.

É a história fabulosa de Liesel Meminger, uma garota que cresce na Alemanha nazista. Sua mãe, caída em desgraça por ser comunista, viaja com ela e o filho mais novo, Werner, que morre durante a viagem de trem, aparentemente de pneumonia. O destino era a pequena cidade de Molching, perto de Munique, e a Rua Himmel, onde as crianças — Liesel tinha 9 anos – seriam adotadas pela família Hubermann. Mas só Liesel chega lá. Ela nunca mais verá a mãe, desaparecida no mistério.

Uma curiosidade é que toda a saga de Liesel é narrada pela Morte, como se fosse uma pessoa, o que confere um toque sobrenatural à narrativa. A Morte parece ter gostado de Liesel, que porém viverá muitos anos.

Ela acaba descobrindo que ama os seus pais adotivos. Rosa, embora severa e por vezes bruta, porém humana e bondosa, lavadeira, e Hans, pintor de paredes e tocador de acordeão, figura popular mas tido como suspeito porque não se filiara ao Partido Nazista — e quando tenta fazê-lo por prudência já não o aceitam.

Havia um casal de filhos, ausentes na maior parte do tempo. Havia os vizinhos e os fregueses de Rosa. E havia os colegas de Liesel, especialmente Rudy, que tinha um fraco pela menina, mesmo sabendo que ela podia bater em garotos. O episódio em que ela desanca Ludwig Schmeikl, seu colega de turma, por zombar dela, é marcante.

“Vieram as crianças, tão rápido, bem, tão rápido quanto crianças gravitando para uma briga. A misturada de braços e pernas, de gritos e vivas, engrossou em volta deles. Todas assistiam, enquanto Liesel Meminger dava em Ludwig Schmeikl a maior surra de sua vida.”

Depois surge Max Vandenburg, o jovem judeu que o casal esconde no porão da casa, generosamente. Uma família pobre, abrigando um fugitivo da perseguição de Hitler. Max era humilde e sensível. Seu relacionamento com a garota que já era adolescente chega a ser comovente, como o amor vai se insinuando com total pureza. Mas a brutal realidade do regime nazista e da guerra com todas as suas tragédias logo envolve a todos. Especialmente quando os bombardeios chegam a Molching.

Deve ter sido terrificante viver num país onde todo mundo devia saudar um ditador monstruoso e megalomaníaco, onde judeus eram perseguidos cruelmente pelo crime de serem judeus e onde para muitas famílias a fome era uma realidade onipresente.

Notável o desenho dos personagens, inclusive do rapaz judeu de 24 anos, obrigado a se alimentar pouco e se ocultar no frio de um porão:

“Quando Max ficava só, sua sensação mais clara era de estar desaparecendo. Todas as suas roupas eram cinzentas — houvessem ou não começado assim — desde as calças até o suéter de lã e o paletó, que agora escorria dele feito água. O rapaz verificava com frequência se sua pele estava escamando, pois era como se ele estivesse em processo de dissolução.”

Um romance que comprova, no século 21, que ainda se escrevem bons livros.

 

Rio de Janeiro, 19 de junho de 2023.