Pixote - José Louzeiro
História bastante violenta em que se baseou (mas nem tanto) o conhecido filme Pixote, que foi além do livro de Louzeiro
José Louzeiro - Pixote: Infância dos mortos, Rio de Janeiro, Ediouro, 2000
Pesquisando na internet vi que a primeira edição do livro é de 1977 e então seu título ainda não havia incorporado o Pixote, chamava-se apenas Infância dos Mortos. Isso porque o ótimo filme de Hector Babenco, nele baseado, é de 1980 (Pixote: A Lei do Mais Fraco) e então a partir daí todas as edições da obra passaram a se chamar Pixote: Infância dos Mortos, caso desta de 2000, publicada pela Ediouro. Pixote, apesar de constantemente citado pelos outros personagens, não é o protagonista do livro, e sim outro adolescente, Dito, que no cinema era um personagem importante, mas secundário.
Outra coisa: Pixote morre logo no início da narrativa – não apenas ele, reveja o título - e Dito busca vingá-lo, assim como outros meninos mortos por policiais ou bandidos. Sueli, que no cinema foi brilhantemente interpretada por Marília Pera, premiada no exterior por sua performance, também é uma personagem que ganhou muito mais destaque no cinema do que no livro. Bem, para resumir, Babenco tornou a história de Louzeiro muito melhor do que era em livro, mas é bom lembrar que o autor participou da adaptação cinematográfica juntamente com o diretor e Jorge Duran.
O próprio livro de Louzeiro teve como base um caso real ocorrido no município mineiro de Camunducaia, onde meninos de rua foram “desovados” por policiais paulistas: eram cerca de cem garotos que foram para lá transportados em ônibus, depois espancados e jogados num precipício. Na ficção sobreviveram cerca da metade apenas. Eram todos menores abandonados, delinquentes que habitavam as ruas de São Paulo e foram alvo de uma “limpeza” urbana, ocorrência muito comum então não apenas nessa capital, mas em várias outras cidades brasileiras. Coisa que de vez em quando também faziam com os mendigos que “enfeavam” as cidades.
Os menores abandonados ou em estado de carência segundo o Jornal do Brasil, de 05/04/1976, citado no livro, eram cerca de 13 milhões (para uma população total de cerca de 113 milhões de habitantes), assim distribuídos: norte (3,83%), nordeste (31,64%), sudeste (42,91%), sul (16,64%) e centro-oeste (5,08%). São Paulo e Rio de Janeiro concentravam, portanto, a maioria deles. E apesar do episódio no município mineiro a história de Infância dos Mortos se concentra mesmo nas capitais desses dois estados. E ela é extremamente violenta, com crianças trafegando (e traficando) em cenários envolvendo drogas, prostituição e inúmeros crimes. Aqui cometidos quase sempre pelos meninos mesmo e por policiais.
Mesmo que saibamos logo de início que Pixote está morto e que teremos pela frente uma narrativa cheia de violência (e ponha violência nisso), em que nenhum personagem provoca empatia no leitor e mesmo muito pouca compaixão, Louzeiro consegue manter nosso interesse o tempo todo. Mas achei um pouco “difícil” acompanhar essa história, porque ela é majoritariamente escrita através de diálogos (o que lhe confere agilidade, convenhamos) e com a ação passando rapidamente de São Paulo para o Rio e vice-versa.
Outro reparo: por vezes, fica parecendo que as coisas eram muito facilitadas para os “trombadinhas” que infestavam o centro de São Paulo – digo os golpes e assaltos ou roubos que os menores praticavam (encontravam rapidamente os lugares e as pessoas buscadas, entravam facilmente em edifícios e estabelecimentos comerciais e lojas etc.), mas também é verdade que quase sempre terminavam mal para eles. Pelo que sei os “trombadinhas” hoje em dia são chamados de menores delinquentes (grande parte deles têm famílias identificáveis), nem tanto assim menores abandonados, e recebem maior assistência e controle do Estado do que naquela época, embora permaneçam tão violentos quanto antes, pelo que se vê no noticiário policial.
Finalizando, penso que o filme de Babenco teve o mérito de pegar aquilo que havia de melhor do livro de Louzeiro (com a ajuda dele e do citado Durán, claro), que o transformou num sucesso mundial. Não sei se “envelheceu” porque o vi há muito tempo, uma única vez e me pareceu ótimo então. Infância dos Mortos, ainda que em grande parte ficção, mas a partir de histórias que Louzeiro conheceu de perto ou mesmo vivenciou, no entanto nos mostra que velhos temas como menor abandonado, violência, criminalidade, justiça e cidadania estão longe de alguma solução adequada no Brasil de hoje.