A Biblioteca da Meia-Noite
A tarefa de dissecar um pouco do universo e tudo mais que cinge A Biblioteca da Meia-Noite não é das mais fáceis, exigindo, como se costuma dizer bastante nos tempos de hoje, crispar as mãos, reunir o máximo de oxigênio possível nos pulmões e abandonar a tal zona de conforto. Afinal é uma responsabilidade ingente discorrer sobre o romance de maior sucesso do autor inglês Matt Haig, um Best-Seller com expressiva vendagem no mundo inteiro, inclusive no Brasil, tendo ficado entre os dez livros de ficção mais vendidos de 2022, conforme dados divulgados pelo PublishNews.
No entanto, o sucesso comercial de A Biblioteca da Meia-Noite acaba despontando como um dos pontos mais irrelevantes para composição de uma crítica. Embora passe ao largo de alvorecer como um enredo de estrutura complexa, daqueles capazes de o tempo inteiro desafiar o entendimento do leitor, a obra suscita bastante reflexão, ainda mais se for levada em conta média dos livros comerciais. Não é raro identificar obras como essas abdicarem da possibilidade de estimular o constante raciocínio, investindo em soluções o mais incomplexas possível até ser atingido o esperado clímax narrativo.
A trama de A Biblioteca da Meia-Noite, publicado em 2020, é repleta de diferentes gatilhos, sendo inventiva e força o leitor a “abrir” a mente, senão a experiência poderá ser seriamente comprometida. A história dá seus primeiros passos apresentando Nora Seed, que com 35 anos caminha para o fim da juventude, porém parece carregar o peso de uma vida inteira nas costas, não sabendo lidar com o arrependimento das escolhas que se mostraram erradas durante o transcorrer da vida. A situação atinge contornos mais alarmantes quando várias coisas passam a dar erradas ao mesmo tempo, como a perda do emprego e súbita morte de seu gato de estimação, levando a protagonista a tomar uma difícil decisão: pôr um fim à própria vida, sendo essa a única maneira encontrada de abortar não apenas os problemas como a aflição.
A fase de Nora está ruim a ponto de ela sequer conseguir obter êxito no intento de ceifar sua vida. O ato acaba levando-a a um estranho local abarrotado de livros com capas verdes, onde o templo simplesmente não corre. Não demora, ela descobre que fora levada para a Biblioteca da Meia-Noite, uma espécie de limiar entre a vida e a morte, e cada um daqueles livros apinhados nas dezenas de prateleiras lhe oferece possibilidade de vivenciar outras vidas, com novos e inéditos desfechos.
Apesar de algumas premissas interessantes, o enredo também acaba despencando na previsibilidade. Não é preciso ser lá muito observador para notar que, entre tantas experiências por suas potencialidades, Nora se mostra uma nadadora extraordinária, que, além disso, ostenta outras facetas como o exímio talento para música ou a paixão por filosofia. Após cruzar um verdadeiro labirinto de possibilidades, colocando a prova sua determinação, gradativamente a protagonista redescobre seu amor pela vida e o desejo de morrer esvanece, sendo sucumbido pelo anseio de uma nova chance, tendo como principal artifício a pretensão de, agora, fazer tudo diferente.
A Biblioteca da Meia-Noite acaba por se tornar um livro atípico pelo diversificado leque de temas desenvolvidos, abordando conceitos de universos paralelos, sempre um tema interessante, além de dar ênfase a assuntos mais corriqueiros, como as consequências da depressão, sentimento de perda, alcoolismo e o suicídio como fuga, elementos desenvolvidos dentro da difícil e desenfreada busca por seu lugar ao mundo. Apesar de tantos trunfos, fica a impressão de que a narrativa necessita de um desenvolvimento mais bem elaborado e algumas situações incomodam pela repetição em demasia.