A consciência de Zeno - Italo Svevo
Italo Svevo - A consciência de Zeno, RJ, Nova Fronteira, 2006
O livro de Italo Svevo (1861-1928) - nascido Ettore Schmitz em Trieste, então possessão austro-húngara até 1918 - sempre aparece entre as obras literárias mais importantes do século XX. Na famosa lista da Folha de São Paulo de 2006 ocupa um honroso vigésimo lugar entre cem obras. Na sinopse ficamos sabendo que “após várias tentativas malogradas para deixar de fumar, Zeno Cosini segue o conselho de seu psicanalista e decide escrever a história de sua vida, fazendo um retrato impiedoso da burguesia italiana.” É exatamente o que ocorre aqui.
Bem, esta é a segunda vez que leio o livro, que me impressionou bastante na primeira leitura, e no meio houve uma viagem para conhecer Trieste, onde Svevo nasceu e morreu. Cidade do norte da Itália mas que por sua história difere um tanto do restante do país. O autor é cultuado na cidade, claro, e foi lá que fiquei sabendo que ele fora aluno de inglês de James Joyce na Berlitz School local.
Svevo teve em Joyce não apenas um professor e amigo mas um grande incentivador (há troca de correspondência entre os dois atestando isso) para que continuasse a escrever sempre. Svevo não fez sucesso entre o público leitor enquanto viveu, apenas depois de morto é que foi descoberto e valorizado pelos críticos literários do mundo todo.
Depois de A Consciência... quis ler, e li em sequência, outras duas obras de Svevo, Uma Vida e Senilidade, que se não são tão notáveis quanto A Consciência de Zeno, são bastante interessantes. O romance, publicado em 1923, é considerado inovador pois incorpora as descobertas da psicanálise naquela mesma época. Não por acaso, Svevo traduziu para o italiano os primeiros ensaios de Freud sobre o sonho.
Os estranhos sonhos de Zeno ocupam várias páginas do livro onde ele disseca toda sua vida familiar, afetiva e sexual. Expondo os processos interiores da consciência, Zeno desnuda o ambiente convencional da burguesia de seu tempo. Então o livro é daqueles em que há muito pouca ação e um máximo de reflexão.
Percorre quase toda a obra uma história de amor impossível, entre Zeno e Ada, irmã de sua mulher, Augusta, situação que explica muito do comportamento, do modo de Zeno ver as coisas. Eis o que ele pensava da própria mulher antes do casamento: “(...) se Guido [então noivo de Ada] se mostrasse um pouco mais atento, teria percebido que eu não estava assim tão enamorado de Augusta. Falei do que achava mais interessante na figura dela, ou seja, de seu olho estrábico, que de tão torto fazia pensar que o resto do corpo estava fora de esquadro.” Humor negro?
Se vê a futura mulher assim, se se lamenta de várias coisas, Zeno é frequentemente irônico em suas observações e até mesmo trata com certa graça (ou humor) os negócios decadentes de uma firma onde atua como contabilista [Svevo foi bancário], propriedade de seu cunhado e sócio (o mesmo Guido citado antes), no longo capítulo sete, apropriadamente chamado de História de uma sociedade comercial.
E aqui vai um pequeno trecho do que o pensamento de Zeno podia abarcar, entre tantas coisas que tinha em mente: “Falta aos peixes qualquer meio de comunicação conosco; assim, não conseguem despertar a nossa compaixão. Abocanham a isca mesmo quando estão sãos e salvos na água! Além disso, a morte não lhes altera o aspecto. Sua dor, se existe, permanece perfeitamente oculta sob as escamas.” Que peixes mais inexpressivos, não?
Guardadas as devidas proporções, me pareceu nesta segunda leitura que, em certos momentos, Zeno Cosini mantém parentesco literário com o também inesquecível Joseph Marti, personagem de O Ajudante, do suíço Robert Walser. Ambos ótimos livros.