Albergue Noturno - de Máximo Gorki
Peça teatral cuja galeria de personagens resume-se aos marginalizados, aos desclassificados, aos que a sociedade do convívio dos homens bons excluiu, ou aos que dela eles se excluíram porque, estranhos no ninho, de tão inescrupulosos, violentos, incivis, pessoas que não têm consciência moral e compromisso com a ordem social, a ela não se adaptavam e não desejavam a ela se adaptarem. São sujeitos sem eira nem beira. O autor não enaltece os seus personagens, tipos bandidos, estranhos, descompromissados com a sociedade, e também não os deslustra; limita-se a jogá-los ao proscênio, com toda a crueza e insensibilidade, sem atenuantes, de que é capaz um escritor adepto do materialismo científico, cru, chão, imundo, indiferente ao destino deles, sem lhes julgar a conduta, sem lhes interferir nas ações. Não faz proselitismo ideológico, nesta peça teatral, conquanto seja um adorador dos tiranos comunistas soviéticos. Foi esta a impressão que me deixou o autor. Ele soube pôr no papel tipos sórdidos, vagabundos, ladrões, adúlteros, traidores, assassinos, com a riqueza de tipos que o seu gênio literário lhe permitia, com a crueza realista da sua escola literária, sem reduzir a peça a um panfleto ideológico, tais quais inúmeros que se vêem por aí, obras de escritores desprovidos de talento literário. Talentoso, Máximo Gorki era; e é o seu estilo desataviado envolvente. Não são os seus personagens complexos, sutis; são rasos, brutos, canalhas, o lumpemproletariado, o panteão de heróis marxistas; todavia, na peça do amargo escritor russo-soviético, são descritos sem romantismo ideológico materialista dialético. É o seu estilo de um materialismo opressivo, realista, nu e cru, sem a transcendência ideológica política materialista. Dentre os incontáveis personagens, não há um que seja simpático, tampouco um que personifique, corporifique a, diria um ferrenho prosélito marxista, beleza ideológica comunista - são todos destituídos de graça. Corrijo-me: dentre os inúmeros personagens que movimentam a narrativa, um se destaca, Luca, que, no entanto, perde-se na multidão - devo dizer "coletivo"? -, e é por ela engolido.
A cena final de tal peça é a síntese da desumanidade dos tipos moralmente indigeríveis, indigentes, do amargo universo de Máximo Gorki.