A coisa

A coisa

Devia ser mais ou menos meia-noite.

Fábio já se deitara, mas continuava acordado.

Sua mãe dormia no quarto do fim do corredor e deixara a

porta entreaberta para o caso de ele precisar de algo durante a noite.

A casa estava silenciosa, estranhamente quieta,

quando aquilo o surpreendeu.

O barulho partiu de algum lugar a sua esquerda.

Um ruído arrastado, seco. Inexplicável.

Fábio lia uma revistinha quando o escutou pela primeira vez.

A princípio achou que podia ter sido só uma impressão, um truque de

sons, assim como o eco, mas o ruído se repetiu.

Desta vez, mais próximo.

Fábio apoiou-se no travesseiro e escutou com atenção,

o coração batendo depressa enquanto pensava.

Seu pai havia lhe explicado que algumas madeiras

estalavam durante a noite por causa da queda de temperatura.

Mas aquele ruído era... diferente.

Era sinistro. Não se parecia nadinha com o estalo de algum móvel maluco.

Olhou em torno, receoso.

Aquela inquietante sensação de que

estava sendo observado persistia.

Virou-se para espiar debaixo da cama, conferir se tudo

andava bem por ali.

Foi nesse instante que percebeu um movimento

atrás de si. Um deslizar suave, quase sorrateiro.

Então voltou-se, lentamente.

Um arrepio de medo e surpresa percorreu seu corpo ao ver

a estranha criatura, ali parada, olhando-o.

Ela estava no canto mais escuro do quarto, ao lado do guarda-roupa.

Uma massa disforme, escura e gelatinosa que... flutuava.

Seu corpo, úmido e volumoso, tinha a aparência de

uma grande esponja, com pequenos

orifícios que se abriam e fechavam.

Certamente não tinha rosto.

Seus olhos mais pareciam dois buracos vazios, mas

Fábio podia jurar ter visto algo brilhar, lá dentro.

Quando a Criatura viu Fábio espiando,

soltou um grunhido esquisito

e as ventosas de seu corpo começaram

a produzir um fluido gosmento

que borbulhou, pingou no chão e se espalhou

pelo carpete do quarto.

Por um instante, Fábio ficou paralisado.

Depois recuou, sentindo vontade de vomitar.

Estava atordoado, mal podia respirar.

Quis se levantar da cama e sair depressa dali,

mas não foi capaz de fazer nenhum movimento.

Ficou parado, à espera de que a Criatura, repentinamente,

arreganhasse a boca para devorá-lo.

No entanto, foi novamente surpreendido pelos fatos.

O pensamento surgiu de modo inesperado,

numa explosão de luz em sua mente.

Estava recebendo uma mensagem clara e precisa,

como se uma voz falasse dentro de sua cabeça.

Fábio escutou, maravilhado.Seu medo acabara de sumir. [...]

MUNIZ, Flávia. Viajantes do infinito. São Paulo: Moderna e 1991
Enviado por Fátima Damiani em 10/04/2023
Código do texto: T7760403
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