Grande sertão: Veredas - João Guimarães Rosa
Riobaldo do grande sertão: o jagunço que entre uma e outra peleja amava Reinaldo e também Otacília
João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas, RJ, Nova Fronteira, 2001
O comentário acima poderia ser um resumo do grande livro (cerca de seiscentas páginas) de João Guimarães Rosa (1908-1967) mas não é, logicamente. Obra complexa, com várias camadas de escrita, de apreciação um tanto difícil para leitores comuns (meu caso) e que até mais ou menos a página 117 (da editora Nova Fronteira, 19ª. edição) pode deixá-lo com uma imensa vontade de abandonar a leitura. Comigo isso aconteceu muito antes e mais de uma vez. Ainda mais que depois de sua adaptação televisiva em 1985 (não vi mas sei de sua repercussão positiva) a história perdeu um tanto do mistério que seduzia os leitores até então. Além disso, Rosa não facilita: o livro é um calhamaço com inúmeros parágrafos, sem capítulos ou quaisquer outras divisões, o que também dificulta a leitura.
Grande Sertão: Veredas continua sendo uma das mais importantes obras de nossa literatura desde sua publicação em 1956. E é por ali, na página 117, quando a narração se torna menos complicada, mais palatável, que começa o encontro, a história da meninice de Riobaldo e Reinaldo (depois Diadorim), os personagens centrais do livro. Tudo o que lemos antes (e vamos entender somente depois) são as divagações do jagunço contando sem muita ordem sua vida, suas aventuras e desventuras, agora no papel de um idoso e rico proprietário de fazendas que herdou de seu padrinho. A narração é feita numa linguagem particular, estranha, com muitas palavras desconhecidas e ou inventadas, cortadas ou juntadas, em frases construídas - ou destruídas, depende; elípticas seria melhor dizer - de modo a colocar o leitor dentro do grande sertão que é o mundo desse homem intrépido e apaixonado. Um mundo um tanto inóspito, em mais de um sentido, para nós da cidade e do século XXI.
O sertão de Riobaldo, quer dizer, de Guimarães Rosa, apesar de mineiro e ao mesmo tempo um pouco baiano em suas características físicas e humanas, não tem fronteiras geográficas e sociológicas claras, não se resume aos homens, matas, rios, animais e outros elementos com que nos deparamos durante a leitura. Nem mesmo as tais veredas do título significam apenas e tão-somente a vegetação do cerrado ou os caminhos secundários, sendas, atalhos, desvios etc. Como escreve o crítico Paulo Rónai na Introdução, temos neste livro “(...) um conjunto único e inconfundível, algo de real e de mágico sem precedentes em nossas letras e, provavelmente, em qualquer literatura.” Modernista e regional, mas também muito mais do que isso, Grande Sertão: Veredas dialoga bastante com obras destacadas como algumas de, por exemplo, James Joyce e William Faulkner, e muito menos com as de narradores tradicionais (e notáveis) feito Charles Dickens ou Machado de Assis. Riobaldo é de um outro mundo mas mesmo assim é parente de Macunaíma, de Mário de Andrade. É preciso conhecê-lo também, ler um pouco de Rosa, ir além da página 117 e então continuar na pegada ou largar...