Livro de uma sogra - Aluísio Azevedo
Uma sogra diferente das demais de seu tempo, mas ao mesmo tempo uma mulher mandona, preconceituosa e até mesmo engraçada por vezes
Aluísio Azevedo - Livro de uma sogra, São Paulo, Martins Editora/INL/MEC, 1973
Conheço pouco da obra de Aluisio Azevedo (1857-1913), praticamente apenas O Cortiço (1890), único livro dele que li antes desse Livro de Uma Sogra (1895) da Martins Editora em sua 12ª. edição. Antes do romance passamos pela interessante Introdução do crítico Homero Silveira, onde são destacados os defeitos e qualidades da obra, que vale a pena conhecer. Sintetizando: “Aluisio era, fundamentalmente, um romântico mal ajustado dentro do naturalismo.” Então, segundo Silveira, Livro de Uma Sogra padeceria desse mal, pois tem várias páginas pingando romantismo aqui e ali. Mas ao mesmo tempo traz uma boa carga de intertextualidade, porque a personagem central constantemente se refere a outros livros e autores, como Olavo Bilac, por exemplo, contemporâneo de Azevedo.
A obra, passada num tempo em que a sociedade brasileira, além de patriarcal era extremamente machista, foi considerada um tanto escandalosa desde o lançamento. Ela é sobre a própria narradora, dona Olímpia, e suas ideias avançadas para o final do século XIX sobre sexo, fidelidade e casamento. E tudo isso misturado com religião católica ainda por cima. Dona Olímpia mesma não tinha tido um casamento conforme almejara, que terminara em divórcio e viuvez, então pensava sobretudo em fazer feliz sua filha Palmira, mas com isso acabava azedando a vida do apaixonado noivo e depois marido dela, o jovem Leandro. Que por amor incondicional à moça no fim aceitava as inúmeras extravagâncias (exigências) de todo tipo propostas pela sogra. O que acaba tornando parte do livro engraçada.
Uma das coisas que Leandro teve de aceitar foi morar numa casa separada, sem a mulher; enquanto isso Palmira continuava residindo com a mãe e dormindo na cama junto dela. E depois, quando Palmira ficou grávida, dona Olímpia exigiu que o genro fosse passear na Europa (com tudo pago por ela) longos meses e somente voltasse para o Rio de Janeiro quando o filho do casal tivesse nascido. Eram muitas proibições e poucas permissões; além de mandona, dona Olímpia era preconceituosa, como devia ser grande parte dos brancos bem de vida de seu tempo. Vejamos esse trecho:
“É mais natural e aceitável ver um branco casado com uma mulata ou um mulato com uma preta, do que ver uma branca ligada a um preto ou a um mulato; pela simples razão de que, na apuração e aperfeiçoamento da casta, a mulher só entra em concorrência como passivo auxiliar.” Nem preciso comentar nada, nem que Aluisio sempre defendeu a abolição da escravatura no Brasil, claro, e O Mulato (1881) tem entre seus temas o preconceito racial. Mas a coisa não parava por aí, pois dona Olímpia prosseguia: “A mulher (...) quer um ente superior, que lhe sirva de firme garantia à sua fraqueza e a seu pudor; quer um homem que lhe possa dar conselhos e amparo, e, se tanto for preciso, até o próprio castigo. Sim, o castigo. — Um bom e verdadeiro amante é sempre um pouco pai da mulher amada.” Pois é...
Em sua busca pela autonomia feminina, ainda que muitas das ideias de dona Olímpia fossem execráveis, ou a totalidade delas vistas as coisas hoje em dia, não se pode negar que eram coerentes para seu pensamento (e para quem está lendo o romance), tinham certa organicidade. Visavam, no fundo, apenas o bem-estar e a felicidade da filha Palmira, e como consequência, também a felicidade de Leandro e do filho do casal. Mas como tudo isso é ficção não se sabe se, de fato, tal experiência repetida outra vez como num laboratório, traria os mesmos resultados que dona Olímpia alcançou. Tanto, que até o genro no final lhe rende homenagens e agradecimentos. Isso revelado, interessa ao leitor acompanhar como tudo se passou. Penso que valeu a pena conhecer essa curiosa personagem, seus métodos, ideias, modo de viver. E um pouco mais da literatura de Aluisio Azevedo. Talvez eu leia O Mulato um dia...