O bom ladrão - Fernando Sabino
Uma novela com boa dosagem de intertextualidade e metalinguagem envolvendo mistério e certo humor
Fernando Sabino - O bom ladrão, São Paulo, editora Ática, 1991
Fernando Sabino (1923-2004) publicou a novela (ou conto longo, como preferem alguns) O Bom Ladrão em 1985 num único volume juntamente com outras duas histórias: Martini Seco e A Faca de Dois Gumes. Esta última acabou dando título ao livro da editora Record, que destacava na capa se tratar de uma “Trilogia de amor, intriga e mistério, numa sucessão de surpresas.” Depois cada novela foi publicada separadamente; li apenas O Bom Ladrão na edição da Ática de 1991, que traz a apresentação de Carlos Faraco, Fernando Sabino: Um Bom Ladrão.
E aí há um jogo de palavras porque Faraco faz uma brincadeira com o autor, que se valeu de situações e personagens (com outros nomes, logicamente) de dois livros muito conhecidos dos leitores: Dom Casmurro, de Machado de Assis e O Primo Basílio, de Eça de Queirós. E como a novela não trata apenas de mistério, também pretende ter alguma graça, Dimas, o narrador fica na dúvida (nos deixa na dúvida) se sua mulher, a cleptomaníaca Isabel, o traiu com o primo Garcia. No livro de Machado fica a dúvida se de fato Capitu traiu Bentinho, mas no de Eça de Queirós não: Luísa e seu primo Basílio claramente cometeram adultério.
Faraco pergunta se ao se valer dessas histórias para construir uma terceira, Sabino não estaria praticando um “roubo” intelectual. Ele mesmo responde que não, pois isso se chama intertextualidade. Que, sabemos, ocorre quando um discurso (o de Dimas) faz referência a outro discurso já existente (o de Dom Casmurro), estabelecendo uma relação entre esses dois discursos. Mas, tudo junto e misturado, também ocorre metalinguagem em O Bom Ladrão, uma vez que Dimas, um personagem, fala de literatura, como se, por exemplo, um personagem de um filme falasse sobre cinema. E Dimas se refere não apenas a Machado e Eça, também cita brevemente aqui e ali Dostoievski, Balzac, Tolstoi, Gogol, Gorki...
Já no início de O Bom Ladrão, temos todo o mistério a ser desvendado por Dimas, aquilo que o preocupa: “Ultimamente ando de novo intrigado com o enigma de Capitu. Teria ela traído mesmo o marido, ou tudo não passou de imaginação dele, como narrador? Reli mais uma vez o romance e não cheguei a nenhuma conclusão. Um mistério que o autor deixou para a posteridade. O que me faz pensar no meu próprio caso. Guardadas as proporções – pois não se trata de nenhuma traição de Isabel – o que foi que houve realmente entre nós dois? Onde estaria a verdade?”
Dimas se pergunta isso como um idoso agora; vive há tempos numa fazenda em Minas Gerais, herdada do pai, mas sua dúvida vem dos tempos em que morava no Rio de Janeiro e trabalhava num jornal. Lá conheceu Isabel, quando ela procurou o setor de anúncios para colocar um, sobre um quarto para alugar na casa em que vivia com a mãe idosa e contava com os préstimos de uma empregada. Dimas acaba se apaixonando pela moça, muda-se para o quarto, ocorrem alguns furtos, certamente praticados por Isabel, ele pensa, mas não tem certeza, prefere acreditar que foi a empregada que os praticou. Casa-se com a sedutora e dominadora Isabel e aí vai descobrir que a mulher é verdadeiramente uma cleptomaníaca (situações engraçadas ocorrem então), mas agora é tarde. E ainda aparece um sujeito suspeito na vida dele, o primo de Isabel, o já mencionado Garcia. E por aí vai...