A Desejada das Gentes (Várias Histórias) - de Machado de Assis
Tem este conto uma estrutura distinta da dos outros quatro que já tratei (A Cartomante; Entre Santos; Uns Braços; e, Um Homem Célebre). Resume-se a um diálogo entre dois homens cujos respectivos nomes o autor não revela, sendo que um dos homens narra a história de Quintilia, bela moça, a desejada, que inspira paixão irresistível nos espécimes masculinos do homo sapiens, incapazes de lhe resistirem aos atrativos. É Quintilia celibatária, que, qual fortaleza inexpugnável - assim a ela se refere o autor, em um certo momento -, não sucumbe às abordagens de seus inúmeros pretendentes, sendo um deles o homem que narra a história dela para o seu, dele, interlocutor, este, sua curiosidade atiçada pela narrativa, interessado no desenrolar do drama.
O personagem que, tomando a palavra, conta o conto, e um seu conhecido, João Nóbrega, colega de escritório, chegam ao entendimento de, antagônicos um ao outro, concorrerem pela conquista da bela e desejada Quintilia, mulher pela qual ambos apaixonam-se, e, acirrada a competição entre eles, vem eles a se desentenderem, e, consequentemente, a romperem relações. E João Nóbrega transfere-se para os sertões da Bahia, a desincumbir-se de afazeres de juiz municipal, e em terras baianas vive o restante dos seus anos de vida, Quintilia a ocupar-lhe os pensamentos. Para o personagem - agora sem o seu rival - que conta a história da desejada das gentes, está livre o caminho ao coração da mulher cobiçada; todavia, ele não é bem sucedido em seu projeto: a fortaleza inexpugnável, Quintilia, resiste-lhe à abordagem. Em morrendo seu pai, o narrador permanece quatro meses em Itaboraí. E de Quintilia morre o tio com quem ela vivia. Pede o protagonista em casamento Quintilia, que não se revela interessada em se vincular, numa cerimônia nupcial, a ele. Ela lhe diz que dele quer ser amiga e que as suas relações com ele se resumam à amizade, e jura-lhe que jamais se casaria. Chega o dia, no entanto, em que ela se engraça com um diplomata austríaco, que, sob influência do protagonista, que urdira uma trama para dela afastá-lo, não lhe corresponde ao amor. E Quintilia adoece. E com ela estreita relações o personagem que dela conta a história. E Quintilia definha. Dá-se o enlace matrimonial entre Quintilia e ele, ela às portas da morte, dois dias antes de ela falecer, e só então ele a abraça.
Interessantes estes pontos da história machadiana: Quintilia, que não queria se casar, rejeitava todos os homens que lhe propunham casamento, e seu tio não queria que ela se casasse; e, a referência ao fisiologismo pelo interlocutor do personagem que conta o drama da desejada das gentes. Pontos que me inspiraram duas interrogações: Qual era a natureza do relacionamento entre Quintilia e seu tio? Tinha Quintilia alguma ojeriza ao contato íntimo, o mais íntimo que o corpo de um homem e o de uma mulher podem realizar? A discrição, a sutileza de Machado de Assis, sempre reticente, contido, permite ao leitor aventar várias conjecturas para estas duas perguntas, ciente o leitor de que nenhuma certeza tem se dentre elas alguma seja a resposta correta, a que, estando na cabeça do Bruxo do Cosme Velho, encontra-se além do alcance dos humildes mortais.