Que gramática estudar na escola?

RESENHA

NEVES, Maria Helena de Moura. Que gramática estudar na escola? Norma e uso na língua portuguesa. São Paulo: Contexto, 2003, 174 p.

Por Diogo Xavier

(Graduando em letras na FAFIRE)

Tem se verificado com mais freqüência, nos últimos anos, a ocorrência de discussões acerca o ensino da língua materna. Discute-se desde a utilidade da transmissão de regras até que gramática escolar deve ser usada em sala de aula. Maria Helena de Moura Neves, em sua obra Que gramática estudar na escola, aborda, baseada principalmente em pesquisas e estudos próprios, que gramática o professor de língua materna deve utilizar em suas aulas, assim como leva os leitores à reflexão sobre os fenômenos da língua. O livro é dirigido em particular ao profissional ligado ao campo da linguagem e aos alunos, mas também à comunidade dos usuários da língua em geral.

O livro é dividido em três partes, sendo cada uma delas subdivididas em capítulos, no total de doze, também subdivididos de acordo com a abordagem. A primeira parte é dedicada à introdução. A segunda aborda a relação entre a gramática da língua, o seu uso efetivo e o estabelecimento das normas. A terceira parte fala sobre a norma e o uso e sua relação com a gramática escolar. Ao final de cada capítulo, a autora apresenta o que se pode concluir a respeito dos assuntos desenvolvidos.

Logo na introdução, a autora declara que, para que haja um progresso no ensino de língua materna, deve-se incorporar as propostas desenvolvidas com base na lingüística.

No primeiro capítulo da segunda parte, cujo título é a natureza da disciplina gramática – visão histórica, Moura Neves considera o termo Gramática Normativa “não reflete a verdade das coisas” (p.29), porque não apresenta explicitamente marcas injuntivas da linguagem, ou seja, não diz explicitamente “faça isto” ou “não use isto”. Num plano superficial, há um caráter apenas descritivo, mas num nível mais velado, vê-se que são organizações modelares e diretivas, uma vez que se apresenta um parâmetro como modelo, mesmo que não se empregue nenhum discurso injuntivo. Por tais motivos, a autora adota o termo Gramática Tradicional, pois está afeiçoada à trajetória que culminou na sua instituição.

Segundo a autora, duas ocasiões alteraram a história da consideração da gramática no Ocidente. A primeira foi o aparecimento dos estudos variacionistas da sociolingüística, que passaram a vincular os padrões ao uso, o uso ao registro e o registro à eficácia. A segunda foi o desenvolvimento de estudos sobre a conversação, que relativizam o padrão e vinculam escolha de padrão a modalidade de língua, visando satisfazer as necessidades particulares de cada situação, obtendo-se assim a adequação. O desenvolvimento da lingüística fez com que a variação lingüística fosse reconhecida pelos verdadeiros gramáticos como um fenômeno natural da essência da linguagem. Porém, a lingüística vem caído no vazio na disciplina gramatical, ou seja, “estamos longe de ver o cidadão comum e o professor reconhecendo que a variação é nada mais que a manifestação evidente da essência e da natureza da linguagem”(p.35).

A autora diz que não são os gramáticos que sustentam a visão distorcida da língua, e sim o povo que tem fascínio pela “boa linguagem”. A comunidade, com olhos no estrato social, procura adequar sua linguagem a padrões prestigiados, buscando receitas que lhe digam, de forma simplista, quais formas se pode ou não se pode usar.

Por fim, a autora conclui o capítulo informando que o educando, um ser social em contato constante com os padrões, desamparado na procura de orientação sobre a norma-padrão que há de tornar legítima a sua fala na sociedade, prefere as receitas simplificadas e de veloz transferência que possam acelerar o seu processo de conquista sem muito lhe exigir reflexões.

No capítulo As relações entre a dicotomia uso x norma e a disciplina gramática, Neves considera pecado fixar as bases do exame no esquema clássico de associação de uso com rusticidade e de Norma com urbanidade. Hoje ainda há a imposição de padrões, a valoração de modelos, mas esse aquele par clássico perde posição em relação a outro: uso com modernidade x autoridade com antiguidade.

Após discutir a validade das normas estabelecidas autoritariamente, a autora diz que o mais adequado seria partir do uso efetivo para estabelecer as normas. Inverte-se a direção ao se tomar como ponto de partida o uso da língua, explicando-o do ponto de vista lingüístico e sociocultural, para que seja naturalmente aceito o surgimento do que há de ser prescrito, anulando a concepção de autoridade, atribuída a gramáticos e afins. Esse é o ponto central do livro.

No primeiro capítulo da terceira parte, A gramática no espaço escolar, a autora afirma que a aquisição da gramática que organiza a língua ocorre antes que freqüentemos a escola, devido à capacidade lingüística que todo falante tem de adequar o discurso às possíveis situações e contextos sociais. Segundo Neves, a gramática não pode ser mapeada para, em seguida, ser preenchida com exemplos. Entretanto, há, lamentavelmente, escolas que ainda permitem a mera transmissão e registro de paradigmas como fórmula ideal para o aprendizado.

A lingüista, no último capítulo, tece considerações sobre Lingüística, uso lingüístico e gramática na escola. Moura Neves declara que, mesmo sendo campos em que se encontram várias convergências, a disciplina gramatical e a lingüística não devem ser encaradas como estranhos que se destroem, muito menos que uma poderia substituir a outra. Elas se nutrem reciprocamente, de forma que, se por um lado a lingüística é responsável por renovações no ensino da gramática, a falta de reflexão na escola sobre a linguagem e o seu uso, pode atrapalhar o progresso da ciência lingüística e resultar numa certa ineficácia da escola no tocante ao bom desenvolvimento lingüístico dos estudantes. Portanto, espera-se que os profissionais responsáveis pela aplicação da metodologia do ensino estejam, conforme versam os conceitos lingüísticos, sempre em busca de atualização e aperfeiçoamento.

Enfim, a obra deixa clara, em suas 174 páginas, a importância da incorporação dos avanços lingüísticos ao ensino da gramática na escola, assim como da utilização de um livro didático que parta do uso efetivo da língua para o estabelecimento das normas.