Malba Tahan, e os números, e a geometria, e Fermat, e Türing, e o hiperespaço. Cinco livros: Os Números; O Homem Que Sabia Demais; O Último Teorema de Fermat; A Janela de Euclides; e, O Homem Que Calculava.
Decidi reunir os cinco livros mencionados no título numa só resenha, e comentá-los, em poucas palavras. De todos, o de Malba Tahan é o único que li há uns vinte anos; e aos outros dediquei leitura recentemente, sendo que ao de George Ifrah há um ano, e ao de David Leavitt, ao de Simon Singh e ao de Leonard Mlodinov há poucos dias - e os destes três o primeiro que li foi o de Mlodinov, e o último o de Leavitt.
Começo recordando O Homem Que Calculava, livro de Matemática, que o autor, narrando histórias fabulosas, ensina com espirituosidade. É o livro agradável e divertido. A Matemática não é uma, direi, ciência insossa, desgraciosa, depressiva, emasculadora; tem os seus atrativos, que os matemáticos sabem apreciar - que o diga Andrew Wiles, o herói do livro de Simon Singh, que no seu, ouso dizer, romance O Último Teorema de Fermat, narra a aventura, impressionante, fabulosa, da concepção do enigma que Fermat apresentou ao mundo, até a solução dele, encontrada, por Andrew Wiles, mais de trezentos anos depois, sem sonegar aos leitores contos e curiosidades da era pitagórica, a gênese da extraordinária aventura, Pitágoras a inspirar a Fermat a idéia que iria atormentar, no decorrer dos três séculos que sucederam, os maiores matemáticos da História, dentre eles Leonhard Euler.
Para falar, e com propriedade, do Teorema de Fermat e dos trabalhos hercúleos que os matemáticos empreenderam para encontrar-lhe a solução, Simon Singh narra façanhas de Pitágoras e dos de seu círculo matemático, místico, esotérico, e algumas curiosidades, e outras histórias, reais, que estão no campo das lendas, do fabulário popular. Fala o autor do amor de Pitágoras pelos números perfeitos, e da relação umbilical deles com a natureza, e da harmonia da Matemática com a Música, e de Hipaso, cujo fim trágico é uma nódoa na biografia de Pitágoras, e da Biblioteca de Alexandria, cuja ereção é de inspiração de Demétrio Falero; e de Euclides, e sua obra maior, Os Elementos. E fala da história da descoberta dos números irracionais, e dos números primos, e dos números amistosos, e dos números sociáveis, e dos números negativos, e do número zero, e dos números imaginários, de todas as fantasmagorias matemáticas a maior.
É imenso o panteão dos heróis do universo da Matemática.
O autor de O Último Teorema de Fermat dedica páginas e mais páginas para falar de Diofante de Alexandria, Brahmagupta, Euler, Rafaello Bombelli, David Hilbert, Theano, Hipácia, Emmy Noether, Paul Wolfskehl, Henry Dudeney (mestre dos enigmas), Charles Dodgson (Lewis Carroll, o autor de Alice No País das Maravilhas), Sam Lloyd (charadista, criador do Enigma 14-15), Kurt Gödel, Epimenides, Heisenberg, Alan Turing, Goro Shimura, Yutaka Taniyama, e uma infinidade de outros nomes, todos eles de valor inestimável. Destaco, aproveito a ocasião, o nome de Kurt Gödel e o de Epimenides, este, autor do Paradoxo de Creta, ou do Mentiroso, aquele, que veio a provar, com seu Teorema da Indecidibilidade que não é a Matemática tão matematicamente correta como os leigos acreditam. Neste livro, de divulgação científica, uma biografia, não de Pierre de Fermat, nem de Andrew Wiles, nem de Pitágoras, mas do teorema que dá título ao livro, o leitor vem a ler fórmulas de feitiçaria, cujos ingredientes cabalísticos são trio pitagórico, teoria dos números, teoria da probabilidade, "reductio ad absurdum", espaço hiperbólico, teoria dos jogos, equações elípticas, formas modulares, geometria diferencial, e outros de igual quilate. Há um quê de místico, alquímico, sagrado, na Matemática. Pitágoras já o sabia; e conhecendo-lhe o valor não admitia, na Irmandade Pitagórica, hereges e apóstatas, e estes eles os condenava à morte se transgredissem seus rituais, suas regras.
De brinde, os leitores ganham a notícia da singularidade do número 26.
Epimenides e Kurt Gödel também estão presentes no livro de David Leavitt, O Homem Que Sabia Demais - Alan Turing e a Invenção do Computador, livro que narra a vida do pai da máquina universal, filha da máquina analítica de Charles Babbage. É o livro interessante. Dá notícia da vida sexual de Alan Turing, que era homossexual, do tratamento desonroso que o governo inglês lhe dedicou; e de sua empresa no grupo de matemáticos que trabalharam, com afinco, e energia inesgotável, para sobrepujar a Enigma, a máquina esfíngica nazista de criptografia. O trabalho de Alan Turing, inspirador. Não resume o autor à vida de Alan Turing; trata ele, em detalhes, além do trabalho de Leibniz, Frege, Bertrand Russell, Hilbert, Hardy, Roger Penrose, M. H. A. Newman, John von Neumann, Bernhard Riemann, e dos acima citados Babbage, Epimenides e Gödel, de Wittgenstein, com quem Turing manteve um entrevero emocionante acerca de uma ponte, de Dilwyn Knox, que também esforçou-se para decifrar Enigma, e de Marian Rejewski, cuja inteligência ajudou o herói do livro de Leavitt a sobrepujar a esfíngica inteligência maquinal nazista. O trecho que trata o livro dos mecanismos da Enigma, e da máquina-a e da máquina ace, ambas de Turing, é um terreno deveras árido, e o leitor tem de percorrê-lo com atenção e esforço redobrados - dir-se-ia um labirinto em cujo coração há um minotauro, um dos inúmeros monstros mitológicos que o leitor tem de enfrentar durante a leitura, monstro que pode o leitor derrotar se, e apenas se, contar com a ajuda inestimável da Tia Nastácia.
Praticou Turing a Matemática num caso concreto, para efeito prático, e urgente: a encriptação de uma quimera, a enigmática máquina nazista de guerra, que petrificava todos os que a fitavam, e transtornos insuperáveis causava aos Aliados.
Admirador do desenho animado Branca de Neve e os Sete Anões, dos estúdios Disney, Alan Turing, no desenho inspirando-se, decidiu deixar o mundo, viajar para outro meio existencial: comeu de uma suculenta maçã banhada em uma poção de cianeto.
E o onipresente Pitágoras está no livro de Leonard Mlodinov, A Janela de Euclides - Das Linhas Paralelas ao Hiperespaço. Além dele, outro grego, seu conterrâneo, ocupa dezenas de páginas do livro, Euclides, autor de Os Elementos.
Neste livro, o princípio do romance histórico que conta a aventura da Geometria, cuja gênese está no trabalho de Euclides, sua geometria, que lhe ganhou o nome adjetivado, a euclidiana. E da simplicidade de espaço bidimensional da obra máxima do matemático e filósofo grego, os humanos chegaram à complexidade dos conceitos matemáticos que presenteiam o homo sapiens com uma tal de brana, cuja estrutura consiste numa teratológica e escalafobética alimária de onze dimensões, inimaginável, inconcebível pela imaginação humana. Estão registrados, na heróica façanha, que o livro narra, os nomes de Gauss, Descartes, Riemann, Lobachevsky, Einstein, Feynman, John Schwarz, Schrödingen, Heisenberg, Theodor Kaluza e Oskar Klein, Murray Gell-Mann, Gabrieli Veneziano, John Wheeler, e não sei quantos outros da plêiade. Não se surpreenderão os fãs de Jornada nas Estrelas com os no livro apresentados espaço hiperbólico, geometria não-euclidiana, espaço-tempo, bóson, férmion, espaço tetradimensional não-euclidiano da relatividade geral, teoria das cordas, teoria M, teoria quântica, tipologia, entropia, mecânica ondulatória, mecânica matricial, cilindro de Kaluza-Klein, quarks, espaço Calabi-Yau, e outros personagens dos quais são íntimos, e não se assustarão com a afirmação de que o tempo e o espaço não existem, não em um sentido, direi, sutil, mágico. E persistirá a dúvida: O universo tem quantas dimensões: quatro, seis, dez, ou onze? Faz-nos pensar o teor do livro, e nos perguntar se é a sua substância saída da cabeça de cientistas, se da de escritores de ficção científica.
Nenhum progresso científico haveria, e Malba Tahan, David Leavitt, Simon Singh e Leonard Mlodinov jamais escreveriam seus livros se os nossos ancestrais, desde os mais antigos deles, não houvessem pensado numa das maiores de todas as invenções humanas: os números. E são os números os protagonistas de Os Números, livro de Georges Ifrah, obra que concede aos leitores o prazer de conhecer a prodigiosa inteligência humana ao dela, fazendo uso, inventar coisas, os números, hoje nossas íntimas - mas não íntimas de todos os homens -, de nós tão familiares, de nós tão amigas, e para nós tão úteis, tão valiosas. E a invenção de tal preciosidade contou com gerações de humanos, que, não se entendendo, em tempos longínquos, que os livros de História mal registram, usavam, indecisos, inseguros, a base dez, a base doze, a base sessenta, sem saber se, para contar a quantidade das coisas, empregavam os dedos, e unicamente os das mãos, ou se, além dos das mãos, os dos pés, e o nariz, e a boca, e os olhos, e as orelhas, enfim, todas as partes do corpo humano, todos os seus aparatos. Era, antes da invenção dos números, um trabalho exaustivo o de contar as coisas, desgastante e enervante. É a história dos números tão emocionante quanto à dos Argonautas. Ah! Sim. Esquecia-me: Neste livro, Pitágoras tem o seu papel, o de figurante.
E aqui estão os cinco livros que decidi comentar nesta resenha; cinco ótimas obras de divulgação de conhecimentos, todos a animarem o espírito dos homens.