As minas do Rei Salomão
AS MINAS DO REI SALOMÃO
Miguel Carqueija
Resenha do romance “As minas de Salomão”, de H. Rider Haggard. Edições de Ouro, Rio de Janeiro-RJ, 1969. Coleção Calouro. Tradução: Eça de Queiroz. Título original inglês: “King Solomon’s mines”.
Nunca confio “a priori” em obras consideradas clássicas, principalmente se nunca li os autores. Em geral elas estão contaminadas por vícios da época e os escritores não costumam ser santos, com exceção dos santos escritores. O inglês Henry Rider Haggard (1856-1925) revela, em “As minas do Rei Salomão” (nesta edição tiraram a palavra “rei” do título), dois vícios que atualmente são inadmissíveis: o racismo patriarcal de brancos contra negros e a caça predatória.
Trata-se de um romance de aventuras, muito comum naquela época, passando-se na África do Sul e daí para o norte, atravessando um terrível deserto e chegando a uma terra desconhecida, onde habitava uma nação de etnia negra, um reino desconhecido. O personagem-narrador é Alão Quartelmar (isso na tradução do autor português Eça de Queiroz, pois na bibliografia de Haggard, publicada pela editora neste volume, aparece Allan Quartemain), caçador de elefantes; seus companheiros são o Barão Curtis e o Capitão John Good. Eles seguem em busca do desaparecido irmão do barão e à procura dos imensos tesouros do Rei Salomão.
Parece inverossímil que Salomão, Rei de Israel, no Oriente Médio, fosse guardar imenso tesouro em ouro e pedras preciosas a milhares de quilômetros, no sul da África. Também me parece frívola essa busca por tesouros. Agora, é deprimente a cena da caça aos paquidermes:
“Agora! – murmurei.
BUM! BUM! BUM! O elefante do Barão tombou redondo, varado no coração. O meu tombou pesadamente sobre os joelhos; mas quando pensei que ia desabar para o lado, morto, vejo a enorme massa que se ergue e larga galopando por diante de mim. Meti-lhe segunda bala na ilharga, que o abateu. À pressa, com dois cartuchos mais na carabina, corri para ele e findei-lhe misericordiosamente a agonia.”
E toda a carnificina um desperdício: só aproveitavam o coração (tido como um petisco) e as presas como marfim.
Outro problema é a pose racista de Quartelmar:
“Calei-me, porque não convinha à minha dignidade de patrão e de branco revelar curiosidade diante de um bechuana.”
E o pior é quando Umbopa, o negro que, como se saberá depois, é um príncipe que deseja voltar ao seu país (aquele mesmo país que guarda o tesouro) e assumir os seus direitos, depondo um ditador sanguinário, e que participa da expedição, dirige-se ao Barão Curtis como “Incubu”, termo explicado como palavra do dialeto zulu que significa “elefante” mas também o chefe da expedição. Pois Quartelmar se intromete, achando aquilo um atrevimento, e exclama:
“Fala assim aos teus iguais — gritei eu. — Fala assim aos que contigo comem da mesma gamela!”
Esse insulto mostra bem a estupidez do protagonista, ao chamar ao outro — que não era seu escravo, não se admitia isso em terras inglesas — de animal, pois gamela é comedouro de gado. Mas a resposta foi desconcertante:
“Que sabes tu se eu não sou igual ao amo que sirvo? Ele pertence a uma grande casta, pelo olhar se vê logo; mas talvez eu pertença a uma casta maior!”
Ele acabarão se enredando na rebelião contra Tuala, o cruel usurpador que governa Lu, a terra dos tesouros de Salomão. E onde o legítimo soberano, por herança, é Umbopa.
Também há na história uma espécie de feiticeira, Gagula, aliada do Rei Tuala. Uma mulher velhíssima e sinistra.
Apesar das falhas o romance pode ser lido com interesse até o fim, é bem armado e prende a atenção.
Rio de Janeiro, 6 de março de 2023.