O alforje
O ALFORJE
Miguel Carqueija
Resenha do romance “O alforje”, de Bahiyyih Nakhjavani. Editora Dublinense Ltda., Porto Alegre-RS, 2017. Título original em inglês: “The sadlebagg”, Bloomsbury Publishing, 2000. Parceria editorial no Brasil: TAG-Experiências Literárias. Tradução: Rubens Figueiredo. Ilustrações: Adriano Rampazzo.
Livro muito especial inclusive em sua elaboração gráfica, apresentado numa caixa. A autora pertence à diáspora iraniana, fixou-se na Inglaterra após passar por outros países. É uma das muitas pessoas do Irã que vivem exiladas. De fato, as características ditatoriais do regime persa não são favoráveis à liberdade de expressão ou à emancipação da mulher.
“O alforje” é uma obra fascinante. Gira em torno de um alforje misterioso que um ladrão do deserto rouba de uma expedição, mas morre sem aproveitar o conteúdo. A história, porém, é narrada pelo ponto de vista de cada um dos personagens principais, e dessa forma, na soma dos pontos de vista, o quebra-cabeças vai se armando.
Desfilam assim os pontos de vista do ladrão, da noiva, do líder (do bando), do cambista, da escrava, do peregrino, do sacerdote, do dervixe e até do cadáver, um comerciante que morreu numa caravana e não puderam se livrar do corpo, mesmo com mau cheiro.
“Porém, quando finalmente atravessaram o deserto a salvo até o caravançará de Usfan, a náusea da escrava se agravou por causa do fedor do cadáver que se uniu a eles na estrada para Medina. No terceiro caravançará, no caminho de Meca, encontraram uma caravana de peregrinos e souberam que o cadáver putrefato de um mercador xiita, que havia morrido durante seu haje (nota: peregrinação islâmica a Meca), agora iria viajar em companhia deles até o resto do percurso. De nada servia que tivesse sido um homem abastado, pois a decomposição não tinha nenhum respeito pela riqueza.”
Situação insólita e desagradável, que acompanha o romance, mas há muitos outros detalhes importantes.
Um mosaico da humanidade, uma obra-prima literária.
Rio de Janeiro, 7 de fevereiro de 2023.