Sobre a Esperança Cristã
SOBRE A ESPERANÇA CRISTÃ
Miguel Carqueija
Resenha da Carta-Encíclica “Spe salvi”, do Papa Bento XVI. Edições Paulinas, São Paulo-SP, 2007. “A Voz do Papa” volume 192. Editrice Vaticana, 2007.
Considerado o maior teólogo dos tempos atuais, Joseph Ratzinger, o eminente Papa Bento XVI, que governou a Igreja Católica entre 2005 e 2013, produziu documentos importantes e saborosos à leitura.
Este opúsculo, de mais ou menos 80 páginas, versa sobre a virtude teologal da Esperança. E a Esperança, numa visão cristã, não se refere a esta vida terrena mas à vida eterna com Deus.
Ratzinger apoia-se em Santo Ambrósio para demonstrar que a imortalidade, desejada pelos seres humanos, não pode ser nesta vida.
“Aqui, porém, surge a pergunta: queremos nós, realmente, isto: viver eternamente? Hoje, muitas pessoas rejeitam a fé, talvez simplesmente porque a vida eterna não lhes parece uma coisa desejável. Não querem de modo algum a vida eterna, mas a presente; antes, a fé na vida eterna parece, para tal fim, um obstáculo.”
E então Bento XVI passa a palavra a Santo Ambrósio, um dos “Pais da Igreja”: “Sem dúvida a morte não fazia parte da natureza, mas tornou-se natureza; porque Deus não instituiu a morte ao princípio, mas deu-a como remédio. Condenado pelo pecado a um trabalho contínuo e a lamentações insuportáveis, a vida dos homens começou a ser miserável. Deus teve de por fim a estes males, para que a morte restituísse o que a vida tinha perdido. Com efeito, a imortalidade seria mais penosa que benéfica, se não fosse promovida pela graça”.
Uma coisa que eu acho notável no pensamento católico é sua clareza e profundidade. Realmente, as especulações sobre uma imortalidade num mundo como o nosso parecem-me insensatas, inclusive em certas histórias de ficção científica. Fomos criados por Deus e a Ele devemos voltar — eis a verdadeira felicidade.
Em sua explanação, com seu estilo límpido e nobre, Bento XVI estabeleceu com segurança a distinção entre o progresso material, tecnológico, e o progresso moral: “O reto estado das coisas humanas, o bem-estar moral do mundo não pode jamais ser garantido simplesmente mediante as estruturas, por mais válidas que estas sejam.” (...) “Visto que o homem permanece sempre livre e dado que a sua liberdade é também sempre frágil, não existirá jamais neste mundo o reino do bem definitivamente consolidado”.
São fortes, pois — aliás ao alcance de nossa observação diária — as razões para não colocarmos nossa esperança no mundo material e nos homens, mas no Reino de Deus, que devemos nos esforçar para alcançar mediante uma vida reta.
E que todos seremos julgados por Deus, é uma verdade que merece profunda reflexão. Outra verdade é que Deus é amor e deseja o nosso bem: “Quem é atingido pelo amor começa a intuir em que consistiria propriamente a “vida”.
Excelente leitura.
Rio de Janeiro, 28 de janeiro de 2023.