Os micróbios e seus caçadores

 

OS MICRÓBIOS E SEUS CAÇADORES

Miguel Carqueija

 

Resenha do livro “Caçadores de micróbios”, de Paul de Kruif. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro-RJ, 1956, 5ª edição. Tradução: Professor Maurício de Medeiros. Título do original norte-americano: “Microbe hunters”. Nota introdutória do tradutor.

 

Segundo C.W. Ceram em “Deuses, túmulos e sábios” (subtítulo “O romance da Arqueologia”), “Caçadores de micróbios”, que trata da história da Microbiologia, é o primeiro romance científico, ou seja, um livro que trata de forma romanceada a história de um ramo da Ciência, pelas vidas e ações dos grandes cientistas.

Os micróbios precisavam ser vistos para serem pesquisados, portanto precisaram existir lentes capazes de mostrá-los. Assim esse romance começa com o holandês Leeuwenhoek, que construiu seus próprios microscópios e descobriu os tais bichinhos, e segue por Spallanzani, Pasteur, Koch, Roux, Behring, Metchnikoff, Theobaldo Smith, Devid Bruce, Ronald Ross, Battista Grassi, Walter Reed e finalmente, Paulo Ehrlich.

A linguagem utilizada pelo autor (que assina inúmeros artigos de Medicina na revista “Seleções”) é pitoresca, como assinala o próprio tradutor, com frequentes tiradas humorísticas. É uma narrativa bem-humorada em meio aos sofrimentos descritos: epidemias, povos miseráveis flagelados por doenças endêmicas, sacrifício de multidões de cobaias... e a própria angústia — e até brigas e picuinhas — dos cientistas.

“Pasteur contava então 58 anos. Tinha ultrapassado a fase produtiva da vida. Mas, depois dessa descoberta acidental da vacina que salvava galinhas tornando-as imunes à cólera, iniciou os seis mais árduos anos de sua vida, anos de terríveis discussões, de triunfos inesperados e dolorosos desapontamentos; anos, em suma, durante os quais trabalhou, despendeu energia equivalente à de cem anos normais!”

O aspecto temperamental dos cientistas perpassa a obra toda:

“Koch, como honesto caçador de micróbios, dificilmente teria confiado a Metchnikoff limpar sequer o seu microscópio, mas o desconhecimento sobre germes nada significava para esse russo selvagem.” E assim é que o “russo selvagem”, pesquisando as estrelas-do-mar, descobriu os segredos da imunidade...

Com certeza, não faltam detalhes sobre a precariedade de recursos comum a pesquisadores:

“Bruce e sua esposa chegaram finalmente a Ubombo. Era uma localidade no alto de uma colina, da qual se avistava o Oceano Índico, através de uma planície de 60 milhas de extensão, na qual o verde oliva dos tufos de sensitivas era cortado pelo verde brilhante das clareiras dos pântanos. Instalaram seu laboratório no cume da colina. Consistia ele em um par de microscópios, algumas lâminas de vidro, bisturis, seringas e, talvez, algumas dúzias de tubos de ensaio. Estudantes um pouco mais providos de hoje achariam ridícula essa instalação de jardim de infância.”

A primeira edição original de “Microbe hunters” data de 1926. Claro que, agora, muita coisa poderia ser acrescentada, como as vacinas Salk e Sabin, pois a Ciência não para, mas o estudo de Paul de Kruif continua sendo um sólido apanhado dos primeiros séculos da Microbiologia e do desenvolvimento das vacinas.

 

Rio de Janeiro, 5 de janeiro de 2023.