Aniquilar, de Michel Houellebecq

"Aniquilar" é o título do “último romance” de Michel Houellebecq (no próprio livro ele afirma que vai "aposentar a caneta da ficção "). A palavra "aniquilar", em francês, tem também um sentido místico, “o da diluição do ser no todo”, como a gota no oceano. Mas a comunhão do átomo com o cosmos só se dá quando o ser vira nada, por meio de sua morte.

Dados os romances anteriores de Houellebecq, era de se esperar uma aniquilação ecoante e impactante. Eles estão cheios de carnificinas, de almas ávidas por e pela luxúria; sua obra é repleta de mentes entregues ao ceticismo e ao vazio, a pulsões de morte, sentimentos de abandono, desencanto, perdas paternas, amorosas, sacras. O seu pano de fundo filosófico é parecido, pois vai e vem entre o niilismo cru e o cinismo acre.

Seus livros pisam e repisam que o humanismo é uma hipocrisia; o amor e o sexo são ilusões; a família é uma masmorra de neuróticos. Avacalham políticos, crentes ("o islã é a religião mais babaca", disse ele), árabes e, claro, franceses bem pensantes e de boa cepa. Todo ser humano é incurável, imprestável e a vida sempre seguirá injustificável, porque o sentido é não haver nenhum sentido. Talvez a contingência seja o único sentido das coisas e dos seres.

O sucesso não se explica por Houellebecq ser mediático —ele parece uma bruxa em suas feições— e sempre polemista. Ele é imaginoso. Faz com que o leitor entre em ambientes misteriosos, apesar de ser um pesquisador relapso às vezes.

Seu estilo emula o naturalismo velho de guerra. Tem horror a profundidades opulentas e ao enlevo metalinguístico com o próprio umbigo (embora haja o protagonista da obra "O Mapa e o Territóri" o qual faz amizade com o escritor Houellebecq no próprio livro e pinta até um retrato do escritor). A prosa, contudo, pisoteia a tartufice do culto à República e ao ideário boêmio-burguês de uma parte.

O decisivo para o sucesso está na gana com que Houellebecq lanceta feridas purulentas da pasmaceira francesa. Ele zomba do “deixa-pra-lá”, do país onde se fala muito e se aceita tudo para que nada mude. Às vezes, é meio mediúnico. Como em "Submissão" e "Serotonina".

“Submissão” imagina um partido islâmico que, ciente da inércia francesa, elege o presidente. O romance foi publicado no dia do atentado de extremistas islâmicos ao Charlie Hebdo, que trazia na capa uma caricatura de Houellebecq. Doze foram mortos no Charlie, e "Submissão" foi para o primeiro lugar dos livros mais vendidos na França, na Alemanha e na Itália.

“Serotonina” zomba da elite parisiense entorpecida por antidepressivos. Enquanto isso, na França profunda das províncias, os serviços públicos são sucateados, e uma revolta fermenta, raivosa. Meses depois, estourou a rebelião antevista pelo romance, a dos coletes amarelos.

"Aniquilar" se passa na campanha eleitoral de 2027, onde o futuro é uma cópia desbotada do passado: Macron escolhe um candidato à sua sucessão que, sem surpresa, vence a besta-fera da extrema direita no segundo turno.

O livro não entra em ambientes secretos. Com um começo de romance policial, em torno de ataques terroristas, parece que contará como funciona a DGSI, a CIA francesa. Mas a trama é logo abandonada. O mesmo ocorre com os hackers satanistas que preparam os atentados. Não se chega a saber quem são.

Ademais, o ponto forte de Houellebecq é realçar contradições e então corroê-las. A erudição filosófica e teológica de Houellebecq salta aos olhos de quem conhece o pensamento francês no seu viés pessimista histórico. Um fato que fica claro nas obras do autor é como os ditos progressistas de hoje mentem mais do que os ditos conservadores.

A cosmovisão do autor é uma descendente direta do pensamento do filósofo Blaise Pascal do século 17. São várias as citações do filósofo neste último romance, aliás. Para além das análises cruéis acerca dos impasses sociais contemporâneos, Houellebecq é um pensador atento ao que poderíamos chamar uma teologia da saudade do amor e da graça divina.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 05/01/2023
Reeditado em 05/01/2023
Código do texto: T7687268
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