Resenha - O que é Democracia

ROSENFIELD, Denis L. O que é Democracia. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 2003. (Coleção Primeiros Passos, 219). ISBN 85-11-01219-2.¹

Rafael Nascimento Sena²

Denis Rosenfield nasceu em 21 de novembro de 1950, em Porto Alegre, Professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Pesquisador I-A do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), graduado em Filosofia na Universidade Nacional Autônoma do México, “Doutor de Estado” pela Universidade de Paris I (Panthéon Sorbonne) e pós-doutor na Ecole Normale Supérieure de Fontenay-St.Cloud. É autor dos livros: “Descartes e as peripécias da razão” (Iluminuras, 1996) (...) “O que é democracia” (Brasiliense, 2009).

RESUMO

Aprioristicamente o autor faz um apanhado histórico, situando o leitor na gênese do conceito de Democracia. Partindo do ponto de vista etimológico, já deixa claro que uma análise puramente quantitativa não faz jus à complexidade do fenômeno, pois, segundo o autor, a própria concepção de Democracia experimentada pelos antigos era, de certa forma, restritiva, uma vez que os cidadãos reconhecidos politicamente eram apenas um pequeno número, não englobando todos os integrantes das polis, como, por exemplo, os que se dedicavam às tarefas de reprodução física e material.

Ao tratar sobre a comunidade política, o autor refere-se efetivamente ao que é coletivo, ao que é comum a todos, ou seja, trata-se de um legado deixado às próximas gerações. O fruto da responsabilidade que cada um assume, hoje, em relação aos assuntos coletivos.

Logo após os posicionamentos introdutórios, o autor concentra-se na análise do Estado Moderno e suas facetas, evidenciando os substanciais contrassensos percebidos entre o conceito grego e a democracia moderna. Onde o Estado moderno culmina em fazer da democracia uma forma de validação do seu próprio poder, não precisamente de uma efetiva participação dos indivíduos nos assuntos públicos, mas significando, na prática, uma mera aparência de participação política. Tal posicionamento acontece principalmente por causa das exigências do mercado. Ou seja, a autonomização do econômico e do político é uma das condições do advento de uma sociedade que iguala todos os indivíduos como objetos.

Neste sentido, ainda conforme o autor, as conquistas operárias do século XIX, como o direito de voto, por exemplo, podem tornar-se um simples ritual, não conseguindo mais afetar a estrutura política e social se elas não vierem acompanhadas de outras formas de intervenção política, pois o Estado moderno já não é o mesmo Estado outrora construído, é marcado pelas necessidades da sociedade, onde a dificuldade em assegurar aos indivíduos dignidade social, moral e principalmente material, dilacera seu tecido social.

Ao se debruçar efetivamente sobre o ponto focal da obra, no capítulo intitulado Democracia, o autor aborda a descontinuidade do Estado moderno em relação a outras formas de organização do social e do político, salientando a necessidade de uma prática política comum de luta social para um equilíbrio das regras e valores que regem a sociedade.

Segundo explicita o autor, o Estado democrático é, por assim dizer, um sistema político composto de múltiplas dimensões que se desenvolvem em diferentes níveis de profundidade. Logo, para sua inteira compreensão, se faz necessário entendê-lo no seu movimento de expansão, momento em que se produzem novas liberdades e direitos.

Neste sentido, conforme o autor, é preciso explorar a soberania da maioria e a soberania das leis, onde a vontade da maioria não é necessariamente democrática, podendo ser, muitas vezes, tirânica. Logo, a vontade do grupo que está no poder não pode ir de encontro a vontade da coletividade, pois no longo prazo a democracia deve prevalecer: é a vontade da maioria e o governo das leis.

Ainda de acordo com o autor, cada cultura organiza-se de forma determinada, e em cada uma, supondo a sua estrutura política como democrática, essas transições são objeto de conflitos, debates e mudanças. Eis então o que é específico ao Estado democrático, a aceitação do conflito e da discussão sobre as suas próprias formas de estruturação sem, entretanto, pôr em xeque o princípio que a informa, mas tão somente a expansão de suas liberdades.

Conforme o autor, pode-se afirmar então que o Estado democrático é perpassado pelo seu caráter inacabado, tendo sido gerado por um questionamento radical de qualquer tipo de sociedade hierarquizada, mas garantindo a intervenção possível de todos na cena pública, aceitando a imperfeição de sua própria Constituição.

Para o autor, portanto, a Democracia baseia-se num imaginário formado na possibilidade histórica de uma nova comunidade política, aberta ao debate e à pluralidade dos discursos e ações políticas e fazendo com que cada indivíduo possa igualmente participar da condução dos negócios públicos.

A problemática reside, conforme o entendimento do autor, na questão da consolidação de um governo majoritário regido por leis que sejam reconhecidamente boas, de modo que as instituições delas resultantes tenham a flexibilização das opiniões e a duração do que se quer eterno. Pois, a chance de se calarem as vozes questionadoras coloca em risco toda a estrutura própria do que se almeja no Estado democrático.

Sendo assim, o pensamento crítico, nas palavras do autor, é, quem sabe, o melhor antídoto contra investimentos simbólicos que neguem radicalmente, no futuro, a realidade presente. O aprendizado da democracia faz-se em micro espaços sociais, para efetivamente se elevar ao cimo do Estado. Daí surge a essencialidade da participação efetiva dos cidadãos.

É através da apatia política e da inércia dos cidadãos diante dos assuntos políticos que se exprime um grande problema estrutural da democracia moderna, ainda segundo o autor, pois as chances desses indivíduos se tornarem apenas massa de manobra dos grupos políticos que disputam o controle do poder é grande.

O autor saliente que uma questão básica dos Estados modernos democráticos é que, simultaneamente, todos os cidadãos têm igualmente acesso à cena pública e, dada a forma das relações socioeconômicas, diferentes grupos sociais são excluídos, não só do mercado de trabalho, mas da própria possibilidade de atuar politicamente.

Neste sentido, para o autor, ou recriamos e reinventamos a democracia, ou estamos condenados a uma perda progressiva da liberdade política com a degradação social, política e cultural que ela comporta.

PALAVRAS CHAVES

Democracia; Política; Cidadão; Participação.

JULGAMENTO

O autor conduz o leitor através do texto, na construção do conceito de Democracia, de como surgiu e de como tem se modificado até os dias atuais. Para tanto, discute as questões pertinentes ao tema, nos diversos subtítulos do livro, suscitando problemáticas que fazem o leitor refletir sobre o assunto exposto em cada ponto.

Desde o capítulo introdutório o autor aponta questões importantes para o tema e que são aprofundadas na sequência, como a questão das semelhanças e diferenças da participação popular na construção do que se entende por democracia, na comunidade política, já que o próprio conceito de política já remete ao que é coletivo.

No capítulo seguinte, intitulado O Estado Moderno, o autor se utiliza de dados históricos para respaldar a análise das questões atinentes ao desenvolvimento da democracia moderna, quais sejam, a efervescência política social e o predomínio do mercado enquanto fortes controladores políticos.

No principal capítulo da obra, intitulado A Democracia, o autor se debruça profundamente sobre o cerne de suas ideias, demonstrando sua linha de raciocínio sobre o tema de forma coesa e de fácil compreensão, sempre dialogando com o leitor através dos subtítulos criteriosamente escolhidos para a construção de seu arquétipo expositivo.

A opção argumentativa do autor se evidencia de forma lúcida, tanto nas análises comparativas quanto nas abordagens explicativas. Algo perceptível principalmente na forma escolhida por ele para aprofundar gradativamente a obra, partindo do estudo da formação das liberdades, da diferença entre a soberania da maioria e a soberania das leis, diferenças entre coisa pública e coisa material, a significação da democracia, a fragilidade das instituições democráticas, uma vez que se o discurso político for mentiroso, a ação política tornar-se-á cega, para não dizer completamente comprometida com interesses particulares, não coletivos. Daí a importância da igualdade e da autonomia. O risco de uma democracia representativa se tornar apenas formal, se o conjunto de leis não for mais reconhecido por seus cidadãos. O risco da apatia política. Enfim, de maneira eficaz, o autor traça marcos expositivos e os conduz a um desfecho categórico.

Por fim, o autor acerta ao fazer um alerta das diferenças sociais experimentadas durante o longo processo de formação e desenvolvimento do que se entende por democracia, desde a antiguidade até os dias atuais, elencando as fragilidades, os acertos e os erros já identificados e a conjectura que se projeta do atual escopo democrático. Logo, a obra atende o seu objetivo e fornece aos seus leitores um olhar crítico e com respaldo sobre o que é democracia.

Nota de Rodapé:

¹Resenha Crítica elaborada com fulcro no Livro - O que é Democracia, como requisito de avaliação da disciplina Teoria do Estado, ministrada pelo Professor – Claudemiro dentro da grande do Curso Bacharelado em Direito,

²Historiador - UPE, Licenciado em Língua Portuguesa - ULBRA, Bacharelando no Curso de Direito na Faculdade de Petrolina – FACAPE, devidamente matriculado na disciplina Teoria do Estado. E-mail: rafaelnasantos1388@gmail.com

³ https://www.institutomillenium.org.br/denis-rosenfield/

Rafael Casa Nova
Enviado por Rafael Casa Nova em 29/11/2022
Reeditado em 29/11/2022
Código do texto: T7661025
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